quarta-feira, 8 de setembro de 2010

EUA - Montana

EUA – Montana
No freeshop canadiano da fronteira de Roseville, comprei 20 dólares americanos. Sabia que iam ser necessários 6 para o visto…
Havia quatro carros na fila para entrar nos EUA e eu parei atrás do último. Não deixa de ser uma sensação especial, um misto de timidez e vaidade, uma bicicleta, ocupando um espaço mínimo e representado ainda menos, ali a portar-se como um “adulto” Mercedes ou Dodge, de vários escapes, muitos cavalos, muitas rodas e buzinas…Chegou a minha vez, avancei ao sinal verde, apresentei o passaporte e adiantei logo que não tinha visto. O polícia, sereno, disse-me para avançar, encostar a bicicleta e entrar na próxima porta. Assim fiz. Estavam três pessoas sentadas á espera e eu olhava em redor, procurando um local para me sentar e esperar a minha vez. Mas ainda não tinha dado um passo para o banco e já o polícia me chamava ao balcão. Perguntou-me como estava o meu espanhol, ao que respondi que esperava que fosse suficiente para chegar à Argentina. Percebi depois que o sentido da pergunta era diferente: afinal o impresso que me deu para preencher estava em espanhol. Pediu-me desculpa por não ter em português… Fui preenchendo e conversando com ele ao mesmo tempo. Já sabia basicamente de onde eu vinha, há quanto tempo e onde pretendia chegar, sempre a falarmos os dois bem alto, que até parecia ecoar no silêncio total do espaçoso compartimento. Os demais funcionários, por trás das respectivas divisórias onde trabalhavam, esticavam a cabeça, olhavam e sorriam com ar perplexo. Quando cheguei ao quadrado da “morada nos EUA”, olhei para ele e acenei para o impresso. Ele disse: ponha “on touring” e no quadrado seguinte, Whitefish – deve ser onde fica esta noite, não? Eu disse logo que sim, e o problema foi ultrapassado. Impressões digitais das duas mãos, quatro dedos primeiro e depois o polegar sozinho, fotografia aos olhos e os 6 dólares, “em US$ ou cartão de crédito”, antecedidos de uma séria chamada de atenção para o cupão verde do visto, que ele tinha agrafado no próprio passaporte: “atenção a isto, não o percas pois tens de o entregar à saída”.
Ainda tive de repetir novamente a um incrédulo jovem agente, que tinha quinze meses para chegar ao Ushuaia…com sentido de humor o polícia acenou-me, desejando sorte e boa viagem e chamando-me a atenção para não me enganar e voltar para o Canadá!

Montana - USA
Aos primeiros quilómetros percebe-se logo que estamos num país diferente… Anúncios por todo o lado, imensos carros e em grande velocidade, casas, campos de golfe, oficinas, restaurantes, estabelecimentos comerciais. A primeira povoação – Eureka – é maior que a generalidade das que cruzei no Canadá! Com excepção, claro está, das capitais dos estados e pouco mais…
Parei no turismo de Eureka fundamentalmente para perceber as diferenças…que tipo de informação tinham, se era tudo de borla ou não, como era o atendimento (simpático, eficaz, prestável…), parques de campismo, etc.. E não fiquei desiludido. Talvez seja menos abundante a informação que no Canadá…perguntei se até Whitefish a estrada era plana (até ali tinha sido a descer ou plana) mas fiquei a saber que era um constante carrossel…

Dickey Lake
Realmente a estrada é um constante sobe e desce, com o vento a soprar de sul, mais ou menos frontal. Mas as subidas são sempre suaves, muito mais suaves que no Canadá, o que dá para manter um ritmo forte, apesar do sol quente, num céu completamente azul, fazer transpirar em abundância.
A mudança dos Kms para milhas demorou uns minutos a interiorizar e converter…rapidamente percebi que não chegaria a Whitefishe, que dista 49 milhas de Eureka e 55 da fronteira.
Em Fortine, parei num café de beira da estrada e tomei uma seven-up e um bolo (ainda não sei o nome, apesar de ser o meu preferido e habitual). A senhora, muito simpática, perguntou-me se queria o bolo com um qualquer creme por cima. Mesmo sem perceber que mistela me sairia, disse que sim. Enquanto ela preparava a iguaria, um tipo jovem de barba ruiva, que mergulhava a cara num hambúrguer com ketchup, meteu conversa comigo e lá tive de repetir uma vez mais a estória da minha vida (recente e futura). O som que mais utilizou foi Huau! a cada nova coisa que eu dizia… Veio o bolo barrado com uma doce película esbranquiçada e devorei-o com a seven-up gelada…antes de prosseguir, a dona do café disse-me que havia um óptimo sítio para acampar em Stillwater Upper Lake, cerca de 15 milhas adiante.
Regressei à estrada em busca de Stillwater Upper Lake mas, mais uma vez, não o descobri a tempo. No mapa surgia claramente antes de Olney. Mas acabou por surgir a placa indicando a entrada na povoação de Olney e de Lake, nada, o que significa que já devia ter passado… nem queria acreditar…Pensei voltar para trás mas o meu contrato diz que devo evitar essa atitude …o meu caminho é sempre em frente, sem recuos nem targiversões… vislumbrei adiante, à beira da estrada, um conjunto de edifícios e achei que podia ser a solução para esta noite. Afinal é o centro de detecção e combate a incêndios, tipo quartel dos bombeiros. Mas estava completamente deserto, sem vivalma… parecia um óptimo sítio para acampar, com espaços relvados, até tinha mesas de pic-nic, casas de banho…parecia mesmo à minha medida! Hesitava em assentar arraiais quando reparei numa casa iluminada, do outro lado da estrada. Fui até lá e saltou-me um canzarrão ferocíssimo aos pés. Felizmente veio logo o dono acalmá-lo com um berro estridente!! Perguntei ao tipo onde é que podia acampar e ele foi extraordinário. Disse-me que eu estava mesmo no sítio certo. Daquele lado da estrada, 20 metros adiante, junto à floresta, há um recinto relvado onde posso acampar. Do outro lado, no tal complexo onde estive, posso servir-me dos chuveiros, casas de banho e água. Afinal é uma obra colectiva e para uso colectivo, com a maioria das portas abertas…
Tomei lá um duche retemperador, em instalações impecavelmente limpas, bem arranjadas, tinham detergentes, gel duche, champô, inclusivamente toalhas arrumadas e empilhadas. Claro que usei as minhas coisas, mas fiquei surpreendido com aquilo tudo ali, à disposição e sem ser vandalizado, roubado…

Tinha percorrido pouco mais de 4 quilómetros quando surge à direita na estrada um lago de águas verdes, paradas na tranquilidade da manhã silenciosa, onde as casas das margens se reflectiam em cores discretas. Havia um grande relvado no topo e bancos de pic-nic. Parei para tirar umas fotos e confirmar com um vizinho que se tratava de Stillwater lake…o mapa estava errado.

Stillwater Lake
Até Whitefishe limitei-me a pedalar pela estrada da morte… não sei como seria em Portugal se tivéssemos a mesma tradição, mas é inibidor e um pouco assustador a quantidade de cruzes, aos pares ou isoladamente, com flores ou sem flores, com bandeiras ou sem bandeiras, com dedicatórias ou não, que se sucedem ao longo da estrada. Garantidamente foram mais de 15 ao longo do dia. E como a estrada é estreita, praticamente sem bermas e os carros a passarem a abrir, até voltei a pôr o capacete…
Em Whitefishe parei numa loja de Bikes…não que precisasse de algo mas é a atracção…e mal tinha encostado a Dampster, ainda fora da loja, já um empregado se me dirigia e me dizia, com ar observador e dedicado, “What can I do for you?” Disse-lhe que procurava umas protecções à prova de água para os ténis e ele logo me conduziu ao local. Dirigíamo-nos ao balcão e já lhe estava a contar a aventura em que estava metido. Estendeu-me logo a mão, disse-me que lá tinha estado há poucos dias um irlandês com o mesmo objectivo e entregou-me o livro de convidados, onde esperava que eu escrevesse “em português ou inglês, um parágrafo ou uma página ou o que quisesse. Na mesa ao canto, ou na rua ou no café”. Depois mostrou-me dezenas de outros aventureiros que por ali tinham passado e que assinaram o livro. Com destino ao Ushuaia havia menos…por exemplo, o ano passado, a 19 de Setembro, passou um inglês, fotógrafo profissional, que ainda só está na Guatemala…
Depois de uma breve paragem num ciber-café, prossegui viagem, rumo a Columbia Falls. Ainda não tinha decidido se iria ao Glaciar National Park, ou não. O vendaval que tive pela frente, mesmo cara-a-cara, decidiu por mim… Se era este o tempo que me esperava, o melhor era avançar para sul e não despender dois dias no parque…além do mais, não sei se será tão diferente das Rocky e glaciares do Canadá…
Até Bigfork, pela estrada 206, foram kms duros de superar. Parece que ainda me faltava descobrir alguns músculos, que apareceram só para se queixarem…
A estrada estende-se em longas rectas pela planície dourada, com os cereais ou já ceifados e o restolho espetado ou à espera de vez. O céu está salpicado de nuvens negras ameaçando chuva. Eu, fatigado, só quero chegar a Bigfork e acampar aos pés do Flathead lake.

Estrada 206 - Creston
Os monumentos aos “veteranos” e a religiosidade, com igrejas e placas com os “10 mandamentos”, são outras características que saltam à vista.
O parque de campismo é 6 estrelas…mergulha directamente no Flathead lake, um lago enorme, com mais de 45 kms de extenso, lugares exclusivos para pic-nic mesmo junto ao lago e uma escassa dezena de sítios para tendas. Na zona que escolhi, a 5 metros da água, só havia mesmo três lugares para acampar…percebe-se por esta densidade o recato do parque…Entardecia lentamente, com a luz dourada do sol a lamber as águas do lago, onde algumas nuvens, altas mas escuras, criavam reflexos de chumbo. As montanhas ao longe, em tonalidade azul-escuro, fechavam a porta para o mundo exterior.

Bigfork Campground
Desfiz-me em afazeres: montar a tenda, tomar banho, lavar e estender toda a roupa suja, limpar a Dempster, fazer o jantar. Já era noite quando me pude dedicar ao diário e às fotos, atrasados de alguns dias. Por azar, o parque só tem tomadas eléctricas numa única casa de banho, por sinal a mais afastada do meu sítio. Como a bateria está a zero, tive de trabalhar directamente na casa de banho, sentado na sanita…passei o cabo desde o lava mãos, por cima do mictório, até à casa de banho e aí permaneci um bom par de horas a carregar a bateria e escrever…mas não se preocupem! A crónica não deve ter cheiro, pois é tudo impecavelmente limpo… o pior é que a sanita não tinha tampa e, como talvez saibam, tem um diâmetro enorme, pelo que quase me afundava!!

Afinal não precisei voltar 3 milhas atrás, na estrada 83. Mesmo junto ao parque de campismo a estrada 209 faz a ligação à 83, em Ferndale.
Se nos dois dias anteriores reparei e deixei-me impressionar pelas cruzes ao longo da estrada, então este início da manhã é horrível: 9 cruzes em 12 kms de estrada!! A manhã está fria, mas de um frio límpido, brilhante mesmo. Ou será a luz…ou ambos. A estrada é muito secundária, escondida na floresta, com um pequeno ribeiro de águas densamente verdes, reflexo constante da não menos viçosa e densa floresta de pinheiros. E não passa ninguém…ainda não são 9 horas. Chego a Ferndale e a estação de serviço está aberta. Paro para o chocolate quente e um bolo. Mal entro – e como é agradável entrar num local assim aquecido, quando lá fora devem estar menos de 10º – perante o meu ar inseguro, sem saber bem onde procurar, logo uma das duas empregadas, solícita e sorridente, me pergunta se pode ajudar. Digo que quero um bolo e sou conduzido ao local dos bolos…mas ela vê no meu olhar que não era bem aquilo que eu tinha em mente. Então passamos a outra zona do estabelecimento e, numa vitrina, lá está exactamente o que quero. A empregada tira um prato, coloca o bolo e diz-me se não o quero um pouco aquecido, o que me parece boa ideia. Aquece o bolo no micro-ondas e entrega-mo. Vira costas mas ainda volta atrás para me dizer onde estão os talheres. Sirvo-me do chocolate quente, pago e sento-me num cadeirão de madeira, no exterior, ao sol. E surge de imediato a empregada a dizer-me que têm mesa e cadeira no interior, se não prefiro.
Toda esta lenga-lenga chata é para ilustrar quão eficazes, solícitos, profissionais e mesmo simpáticos têm sido a generalidade das pessoas…Até parece que estão à minha espera para me servirem bem.

Swan Lake
Boa parte da manhã foi passada ao longo do lago Swan, mais um pequeno paraíso, em que, no recato da floresta, se escondem as típicas casas de madeira. São lotes sucessivos em que da estrada apenas se vislumbram as serventias.

A April e o Nathan, que ficaram impressionados com o nome do meu blog...

Sem título...
Terminado o lago, continuam kms e kms de floresta, rectas intermináveis no silêncio verdejante dos pinheiros…
Chegado a Seeley lake e instalado no parque de campismo, aberto pela última noite da época, fui até ao povoado, que dista apenas 2 kms. Para além da curiosidade, procurava internet. Como é normal nestes aglomerados de pequena dimensão, o povoado não passa de um conjunto de estabelecimentos e casas que se estendem de um e outro lado da estrada. Mas neste caso, em vez dos McDonalds, Pizza Hut & Cª, havia um “steak house”, com muitos carros à porta. Caí na tentação de entrar, ainda na expectativa de ver a ementa antes da última palavra. Mas não foi possível…a empregada perguntou quantos eram e logo me encaminhou para uma mesa. Só depois é que apareceu o cardápio…apenas existem três opções e a mais barata começa nos 21$. Foi o que escolhi, sem perceber bem o que seria. Comecei a ver passar alguns pratos, e confesso que o aspecto e o cheiro me estavam a deixar impaciente na cadeira. Era uma posta enorme de carne grelhada que, à chegada à mesa, a empregada cortava ao meio de um só golpe, como faca em manteiga, em dois nacos enormes, vermelhos, fumegantes. Quando chegou o meu, tive a maior desilusão das férias e confesso que seria a única decisão que, até à data, gostaria de reverter. Era um hambúrguer, enorme e saboroso, é verdade, mas apenas um miserável hambúrguer…

Passei quase toda a manhã no ciber-café a actualizar o blog e afins. Assumo que parti com um certo stress… tenho ouvido notícias muito pouco animadoras sobre o tempo em Yellowstone: neve, chuva, frio. Estou a ir para Sudeste, quando o meu destino é o Sudoeste…mas estou decidido a não alterar os planos, pelo menos não sem “sangue”… E por isso quero chegar o “mais depressa possível”, para ver se consigo chegar à costa do pacífico antes de frio ser permanente e da chuva e a neve se me atravessarem no caminho.

Salmon Lake
A floresta acabou e sucedeu-lhe a pastorícia… surgem os grandes ranchos de Montana, com manadas de vacas a perder de vista. Os campos já estão completamente dourados, a palha cortada, enfardada e armazenada. As vacas parecem armazenar com esforço nos estômagos recheados o resto da erva seca. Passam carros com os condutores de inevitável chapéu à cow-boy. Normalmente acenam com a mão num cumprimento amistoso, coisa que já não sentia há umas semanas.

American way of life?
A planície é levemente ondulada e a estrada também. Pedalei toda a tarde a grande velocidade, sentido o corpo tenso mas confortável e a responder bem… quando parti de Seeley lake, nem me atrevi a pensar em chegar a Avon, mas os 120 kms volvidos, ainda fiz mais outros 20, numa das mais longas jornadas e, de longe, com a média mais elevada…esperava encontrar uma mercearia em Elliston mas já estava fechada.

Montana - perto de Avon

Montana - perto de Avon
Restava-me encontrar um local para acampar… Parei no Salon e o anúncio nas duas portas – “no guns allowed inside” – provocou-me o tal mix-feelings: por um lado a sensação de ser transportado para outro tempo e outro lugar, num lugar e num tempo dos Westerns que continuam gravados no meu imaginário infantil; por outro, perceber que estamos em 2010 e que ainda há avisos destes…
Entrei no local, escuro, sem luz natural e discreta luz nas paredes, com um balcão em U e dois grupos de clientes, um de cada lado do U. Eu parei no topo e disse à empregada que procurava um sítio para acampar por perto…ainda sugeri talvez junto à igreja ou escola. Mas uma sexagenária sentada no extremo do U, começou a falar-me de um sítio 2 milhas adiante, numa estrada secundária. Não percebia era nada da pronuncia deles…entretanto mete-se mais outro na conversa, desta vez um velhote de barba totalmente branca, mas desse então é que não percebi uma única palavra… Resumindo, depois de insistir uma e outra vez sobre qual o nome da estrada secundária, e continuar sem perceber, fiz de conta que tinha percebido na perfeição e fiz-me à estrada…não deviam existir muitas estradas à direita, no espaço de 1 a 2 milhas…
E assim foi. Pouco depois surge um entroncamento à direita, junto à última casa da povoação e virei. Havia um desvio de terra 100 metros adiante, que subia montanha fora para o meio dos pinheiros…devia ser para ali mas subir aquilo, nem com a bicicleta pela mão…ainda fiz mais uns metros na estrada de asfalto mas nada… montanha à direita e propriedades vedadas à esquerda. Tinha mesmo de subir e acampar lá em cima, no meio dos pinheiros.

Campismo em Elliston
Com muito esforço (até me saltou um sapato), subindo em S, lá consegui superar os 100 metros até ao primeiro patamar plano. Uma vista linda para nascente, sob pinheiros grandes e frondosos e chão macio da caruma e feno. Só havia um problema: não tinha água para fazer o jantar…e só havia uma solução: ir pedir água. Em último caso iria ao Salon, mas não me apetecia voltar a montar na bicla por hoje. Assim, fui à casa da vizinha, a última casa da povoação. Quando me aproximei, saltam-me dois canzarrões a ladrar e eu limitei-me a encostar-me a uma árvore, estender a garrafa da água na direcção deles e falar-lhes amigavelmente. E resultou. Acalmaram e em segundos já lhes fazia festas no focinho. Entretanto, aproximo-me da casa e apareceu a dona, jovem, com duas miúdas a saltitarem em redor. Contei-lhe a estória de estar acampado lá em cima e necessitar de água para o jantar e ela, solícita, encheu-me a garrafa. 1,5 l deu para o jantar, lavar os dentes e os apetrechos!!

Helena é a capital do estado de Montana. Estava a cerca de 30 kms do local onde acampei. Mas esses 30 kms dividiam-se em duas partes: antes de McDonald Pass e depois de McDonald Pass, com uma elevação de 6320 pés (cerca de 2000 metros). Felizmente, e até à data, as elevações nos EU são muito mais suaves que no Canadá. Longas mas suaves…foram 8 kms a subir e mais de uma dúzia a descer. Um percurso fantástico para começar o dia gelado...

McDonald Pass
O centro de Helena é diferente de todas as cidades que já vi: edifícios bonitos, com ar “antigo”, alguns a fazerem lembrar a construção em Londres, com os tijolos vermelho-escuro expostos, igrejas com ar “secular”, robusto e clássico, ruas pacatas com muita gente passeando, várias pessoas a fazerem jogging pelos passeios largos e verdejantes. E uma biblioteca como ainda não tinha visto: enorme e repleta de gente!! de todas as idades.

Helena
Depois de percorrer calmamente o centro da cidade e passar uma ou duas horas na biblioteca, regressei à estrada – quero chegar a Yellowstone dentro de dois dias, três no máximo.

Canyon Ferry Lake
A estrada é plana. De um e outro lado os campos de cereais alternam com as manadas de gado a pastar. Ao longe, a este e sul, um cadeia de montanhas com salpicos de neve nos cumes mais distantes…deve ser esse o meu destino próximo.
Mais uma vez tive de fazer campismo selvagem, desta vez junto à margem esquerda do Missuri, poucos quilómetros após Toston, uma aldeia “inexistente”. Também mais uma vez ia sendo apanhado sem água…roubei um litro na casa de banho do Salon que fica no cruzamento da 12 com a 285…

A noite não foi muito bem dormida. A linha do comboio passa a poucas dezenas de metros e, vá lá perceber-se porquê, não só circula toda a noite, como insiste em apitar constantemente… talvez seja para afugentar o gado que incidentalmente se encontre na linha… certo é que não é possível dormir duas horas seguidas. Também só ao levantar-me desvendei o mistério do barulho nocturno na água do rio que, no silêncio da noite, mais pareciam lutas de crocodilos! Afinal eram patos, imensos patos que, de quando em vez, decidiam lutar, ou fazer corridas, ou levantar vou…
Confesso que foi uma noite especial. Estava a uma boa dezena de kms da povoação, a própria estrada de asfalto distava 5 kms, o Missouri corria a não mais de 5 metros da minha tenda e separava-me da linha do comboio e de uma manada de bovinos que pastavam na outra margem…senti-me um bocadinho no faroeste dos filmes.
Mesmo ao regressar ao asfalto senti uma “anomalia” na bicicleta…que raio, não podia ser mais um furo!! Mas era mesmo… Claro que não vou continuar a contar a estória de cada furo – hão-de ser dezenas – mas este chateou-me não só porque foi no pneu novo – roda de trás – como foi uma pedra pequena e pontiaguda que me lixou o próprio pneu! E agora, como as bermas da estrada estão povoadas de pedrinhas de todos os tamanhos e feitios, para além de objectos inimagináveis (parafusos, porcas, abraçadeiras, chaves, molas, vidro, pregos, bocados de metal de formas várias), a lei das probabilidades diz que em breve aquela fragilidade será descoberta por alguma dessas quinquilharias e os furos repetir-se-ão no mesmo sítio…Ah, a outra razão para referir este furo é que já testei os remendos “tip-top” (super patch) e, o tempo confirmará, para já são fantásticos mesmo…não sei como é que nunca vi à venda em Portugal…por acaso tenho uma explicação…parece-me que aí preferem vender câmaras de ar…mesmo os kits normais, são uma miniatura de cola e de remendos…aqui não. Estão em locais bem visíveis, há várias opções, nomeadamente estes “tip-top” – era assim que chamávamos aos remendos quando comecei a andar de “triciclo”…o remendo era um bocado de uma câmara velha!
A Montana por onde rolei hoje é o nosso Alentejo. Mas maior, mais rico, menos quente, menos bonito (não tem as belas aldeias alentejanas…), sem árvores, sem vinho, sem pão e sem queijo. Afinal não é o nosso Alentejo ondulado e dourado, de cereais e gado a pastar livremente…é só parecido à superfície mas a alma não tem qualquer semelhança!
Quando a paisagem não me cativa nem me prende, entrego-me à parte desportiva…foi o que fiz de novo hoje…durante a manhã imaginei-me no Tour e pedalei contra mim próprio, há falta de melhor adversário. E assim fiz os 80 kms até Bozman a mais de 22 kms/h.
Mas no caminho ainda me cruzei com a Carol e o David, um casal de reformados ingleses que andam num tandem há vários meses pelo Canadá e EU… vêm de sul e dizem que em Yellowston está um frio de rachar…
Com todas as informações tramadas sobre o tempo em Yellowstone, já estou a stressar! Acabei por comprar um par de luvas novas, supostamente “todo-o-terreno” e umas meias especiais de lã. O orçamento, está quase a rebentar…acho que me acontece como ao Jesus, regresso no natal…ainda por cima, se outro dia comprei natas a penas que era leite, hoje não sei que raio comprei…a embalagem era igual, mas diz Buttermilk e sabe mal!

14 comentários:

  1. Idílio, posso com a Sissi reunir a família e decidirmos fontes de financiamento alternativas? todas legais, não penses que transformamos a tua casa num albergue espanhol. mesmo tendo muitas saudades tuas, queremos que continues por aí a viajando-nos

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  2. Olá,
    tenho lido o seu blog sempre que põe um post novo. Não podia deixar de o felicitar pela aventura e pelas histórias que conta. Li esta e no final não pude evitar um sorriso com a sua referencia ao buttermilk. É que eu vivo na Holanda e aqui eles tem o Karnemelk que é essencialmente o mesmo. E como é óbvio a mim também me aconteceu o mesmo. Comprei uma vez ao engano e serviu-me de emenda. O raio do leite sabe e cheira até mesmo mal!!
    espero que continue assim com essa boa disposição. Um abraço da Holanda,
    Pedro

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  3. Aventura invejável, talvez um dia faça algo parecido, por agora vou-me ficando pelo nosso Portugal.

    Boa sorte e já me tornei um seguidor leal das suas cronicas.

    God's Speed, anda wind on your back

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  4. Idilio, Bravo! Deixei de ler o blog por uns dias (esive de férias) e já estas no EUA. Não te intimides com o insucesso do Bife que essa gente só começou a explorar o mundo quando os Tugas lhes mostraram como. E não te preocupes com o orçamento que, se a coisa apertar mesmo, havemos de pensar numa solução. Grande abraço, Mário.

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  5. Simplesmente espectaculares os relatos das peripécias, paisagens, jornadas, etc.
    Descobri este blog por emro acaso e já estou "viciado". Também sou um ferveroso viajante de 2 rodas, mas de mota. E mesmo nela montado encontro muitas dificudades que nos vão aparecendo. Nem quero imaginar o que serão essas dificuldades, em bicicleta.
    Um abraço. Continuação de boa viagem.

    PS: Adoro os pormenores, que dão um especial colorido, nos seus relatos

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  6. se calhar devíamos divulgar uma conta bancária do Idílio para transferências nossas que lhe permitam continuar a pedalar até Ushuaia, alimentando o blogue também aquecia os nossos corações, especialmente nesta noite invernosa desde Guimarães

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  7. kamarada Idílio, se tiveres fome apanha um avião até Bruxelas, aqui as costeletas de borrego superam as de Lisboa

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  8. Caro amigo,
    A leitura dos teus posts está-se a transformar num ritual religioso que cumpro com devoção.
    Quanto às finanças, seguramente que as tuas estão bem melhor que as da nação e nem por isso nos desviamos do rumo! Se necessário conta comigo pra ajudar. Um grande abraço, Luís M.

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  9. ontem ouvi de manhã o Gonçalo Cadilhe em directo na Antena 1 desde as Molucas, temos mesmo que 'vender' estas crónicas que adoramos com devoção religiosa e ajudar a financiar a aventura do nosso amigo

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  10. Amigo Bacalhau!
    Por terras lusas te continuamos a seguir, cheios de ansiedade para ver esta tua aventura chegar ao bom porto para o qual te proposeste.
    Creio que estou de acordo com o Zé, se a coisa apertar mesmo, a malta por cá com certeza conseguirá fazer uma bela colecta para poder ajudar-te. É claro que te queremos de volta mas apenas depois de nos contares esta história toda. Conta connosco!!
    Força nisso! Beijocas!

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  11. Idilio, do meu ponto de vista este foi o post mais interessante desde o in'icio da viajem.

    Teres feito uma travessia maravilhosa do canada, e agora teres encontrado estradas e paisagens de pouco interesse, tendo se despertado em ti um outro estado de esp'irito, diria de sprinter e nao de maratonista, parece querer dizer q est'as a comecar a sentir a dureza psicol'ogica da aventura.

    Um abraco de quem fica a aguardar mais novidades da tua grande maratona!

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  12. Amigo Idilio.Curvo-me pela distância e pela tua coragem em conquistá-la.Parece-me que cada curva da estrada te dá nova motivação (se não avistares uma subida) e a nós...bem, a nós, dá-nos vontade de aí estar contigo. Os pormenores que partilhas connosco são dignos de Queiroz (do Eça, não do Carlos). Pergunto-me mesmo se não deveriamos pagar bilhete para ler tudo isto...só falta a referência no canto no ecran: "live"! Que não te doam as pernas nem te falte a vil electricidade...Deixo-te um empurrão que, nesta fase, é mais conveniente que um abraço.

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  13. Nao comento muito mas tenho nos meus favoritos este blog e a sua viagem.

    Caro Idilio posso estar enganado mas pelo que vi no google maps tem andando num ritmo fantastico! Ainda vai apanhar o fotografo ingles que vai na guatemala... talvez na colombia ou por ai segundo os meus calculos se tudo correr bem.

    Muito boa sorte e va descrevendo como tem feito ate agora, e se precisar de ajuda financeira aos poucos todos juntos certamente iremos encontrar forma de ajudar, e so colocar o NIB :)

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  14. o senhor tem tanta sorte em poder estar a fazer essa viagem magnifica onde pode ver paisagens lindas e maravilhosas do mais natural que pode existir.
    foi a minha professora de geografia que disse a minha turma para ir a este blog clara que minguem se interessou incluindo eu mas ainda bem que decidi vir aqui as fotografias que tiro são maravilhosas lindíssimas.
    e desejo-lhe a melhor sorte do mundo para poder acabar a suas viagem/experiência maravilhosa que esta a ter e continue a escrever no seu blog

    de Pedro mais conhecido por pato/patinho ;D muito boa sorte

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