segunda-feira, 11 de outubro de 2010

A caminho de San Francisco

Prólogo

Meus amigos, está a ser cada vez mais difícil manter o ritmo...do Blog, não da viagem!! Os erros devem aumentar, os detalhes diminuirem, as fotos serem menos seleccionadas... enfim, a "qualidade da coisa" é capaz de se ressentir! mas a "janela é para manter aberta!! A propósito, face a alguns pedidos e perguntas sobre o assunto, é suposto falar para a antena 1, quinzenalmente às 4as feiras, entre as 6 e as 7 da manhã... para os que sofrem de insónias enão têm melhor ocupação, podem sempre ouvir umas banalidades...

A caminho de San Francisco
Os mais de cem kms que separam o Echo Sumit de Folsom, fariam as delícias de qualquer amantes do ciclismo…são praticamente sempre a descer! Recordo apenas uma ou duas subidas que dão nas vistas – ou nas pernas.
Até Pollock Pines, uma pequena povoação na “fronteira” da El Dorado National Forest, a estrada esgueira-se, solitária e silenciosa, pelo vale cavado no vértice das montanhas abruptas, na sombra, por vezes gelada, da floresta densa. Praticamente não há casas e o único vestígio da presença humana é mesmo a estrada.
Em Pallok Pines vejo um anúncio indicando “corte de cabelo – $16”. Estava um calor tórrido e, pelos auto-retratos, dá para perceber que pouparia no champô…Entrei e dei de chofre com o John Wayne pendurado na parede! Barba e cabelo eram $22!! A forma de rentabilizar o preço, que me pareceu exorbitante, era aplicar-lhe um corte radical, e assim foi…no mesmo dia, em Folsom, vi anúncios de corte de cabelo a $9,9…
À saída da barbearia devo ter-me deparado com a figura mais extraordinária ou louca, não só desta aventura mas da minha vida…lamentavelmente não fixei o nome. Um velhote franzino, que parecia ligado à corrente eléctrica de alta tensão, olhou-me com um olhar de uma vivacidade desumana, paralisante, e fez a pergunta habitual… comecei a responder mas a voz dele sobrepôs-se à minha, num timbre agudo, firme e automático, impossível de parar ou sequer ser interrompido. Dissertava sobre a maior bicicleta do mundo, creio que construída por belgas, que transporta trinta e tal pessoas e é recorde mundial, constando do Guinness…eu nem abria a boca, pois as palavras saiam-lhe em torrentes, atropelando-se – pelo menos para o meu fraco inglês… Na sua euforia, disse-me “espera aí, eu tenho isto tudo aqui no carro”. Abre o porta-bagagem e vem de lá com um dossier que começa a folhear. São fotos, artigos de jornal, por vezes parecem mesmo ser “esboços técnicos” de “coisas estranhas”. Folheia o dossier em frenesim, para trás e para a frente, até encontrar o que me quer mostrar – a famosa maior bicicleta do mundo. Tem vários desenhos, perspectivas, alçados, medidas, grandes planos de detalhes, etc.. Explica-me apressadamente como funciona…e passa de imediato para um projecto dele: uma auto-caravana…anfíbia! Tem múltiplas fotos dele e um grupo de amigos em passeios, um dos quais ao Canadá. E vê-se mesmo a caravana com rodas mas um “casco” tipo barco, metade em terra e metade no rio… Pergunto-lhe se é professor, cientista, ou o que faz na vida e ele diz: “tudo, tudo isso e mais. Comecei as loucuras quando tinha 19 anos…e mostra-me outra foto tirada no memorial onde estão esculpidas na rocha as “cabeças” dos mais memoráveis presidentes dos EUA. Diz-me: “vês esta foto, a placa com os nomes!? Ninguém consegue tirar esta foto deste ângulo…tive de escalar as estátuas para a tirar! Como era proibido, paguei 600$ de multa!! 600$, vê bem, quando tinha 19 anos!!!”. E eu, aparvalhado, sem perceber se estava perante o maior louco e charlatão da América, ou um pequeno génio, escutava sem capacidade de reacção, ou até de compreensão…Acredito que era mesmo um homem invulgar…Despedimo-nos e, quando começo a pedalar, pergunta-me se não tenho reflector atrás na bicicleta, que é perigoso, pois os americanos são doidos…
Prossigo pela Pony Express Road, e passo junto a Sportsman, um entreposto mítico na ligação Este-Oeste. As casas são discretas e incrustadas na floresta, as sombras frondosas, o trânsito diminuto e lento. Pedalo devagar para sorver o misticismo que paira no ar. Sucede-lhe a Carson Road, também ela em homenagem a Kit Carson, o mesmo dos livros de cowboys aos quadradinhos, um dos meus preferidos há mais de 30 anos…
As montanhas há muito desceram à terra, os pinheiros, cedros e outras árvores de grande porte, vão dando lugar a pomares, primeiro, e vinhas, depois. Castanheiros, nogueiras, pessegueiros, pereiras, ameixeiras… tudo enfileirado, geometricamente alinhado, densamente povoado mas de pequeno porte.
No topo de uma colina surge um edifício grande, à esquerda da estrada. Há muito movimento de carros e pessoas: é o “Boa Vista Market”, assim mesmo. É um mercado essencialmente de fruta e derivados gurmet: doces, bolos, compotas, sumos…
Os preços da fruta são metade dos praticados nos supermercados e os alperces, peras e uvas que comprei, eram deliciosos…Na caixa perguntei a origem do nome e a empregada confirmou o que suspeitava: era um nome português porque foi construído por uma família de emigrantes portugueses, proprietários da quinta em frente, onde inicialmente vendiam produtos da quinta…
Suspeito que a Lava Cap Wineries e o Machado, candidato a xerife, também terão uma pontinha de Camões no sotaque.
Gostaria de ter pernoitado em Placerville, que me pareceu uma vila pacata e pitoresca, de pequenos edifícios de madeira, com muita gente a animar as ruas ladeadas de pequenas lojas, cafés, galerias. Mas o parque local não aceita campistas, apenas auto-caravanas. Prossegui irritado em direcção a Folsom, na expectativa de que tivesse um parque de campismo…
Poderia estar a pedalar no Alentejo interior…a bolota caída dos carvalhos frondosos esmaga-se na berma da estrada estreita. Numa cerca de arame enferrujado, com ar decadente, três ou quatro ovelhas partilham o espaço com um cavalo. As silvas vão trepando pelo casebre de madeira abandonado, com o telhado semi-desabado. Uma mão-cheia de bois pastam os restos de feno seco e ralo que resiste ao calor do verão.
Para Folsom ainda falta quase uma vintena de quilómetros e o sol começa a desaparecer por entre os carvalhos, deixando a estrada na penumbra…Pedalo a toda a brida, sem ver, ou sequer olhar, sem cheirar, sem sentir por onde passo, apenas em busca do ponto de chegada…exactamente o contrário do que gosto. E de repente, num entroncamento da estrada, surge um café-bar (já não se designa saloon…). Seria o ideal pernoitar por ali. Contíguo ao café havia um pequeno parque de recreio, com ar pouco cuidado e ainda menos utilizado, onde o filho dos donos do café, depois de conferenciar com o pai, me conduz e sugere que fique. O pequeno rectângulo de onde brotam tufos irregulares de relva, é perfeito…e o mega hambúrguer, três canecas e intensa simpatia familiar que respirei, valeram qualquer Placerville…


Rescue - Campismo familiar
Folsom cresce na margem do American River e não se percebe onde acaba, pois até Sacramento, a capital da Califórnia, as zonas comerciais e residenciais sucedem-se numa malha urbana constante. O centro histórico está completamente esventrado por bulldozers que abrem valas profundas nas ruas.
Durante vários anos (2002-2007?) a vila foi distinguida como “bike-friendly”….São inúmeras as ciclovias, mapas, lojas de bicicletas e praticantes…Na verdade, desde Reno-Sparks, que se nota uma alteração brutal, com centenas de praticantes e vias dedicadas às bicicletas.
Até Sacramento naveguei sem mapa, limitando-me a seguir as ciclovias em direcção ao sol poente. Mas não cheguei sem que um prego perfurasse a roda de trás…
Como o único parque de campismo fica já fora da cidade, em Sacramento – Oeste, atravessei a cidade sem parar. Talvez volte amanhã…

Regresso a Sacramento. Pelo menos quero passear pela cidade velha… O meu sentimento em relação às cidades que vou percorrendo é cada vez mais claro: invejo os parques e espaços verdes; sinto curiosidade e aprecio as zonas antigas, invariavelmente as “velhas cidades do oeste”, com duas ou três ruas perpendiculares, os edifícios coloridos, de madeira o mais das vezes, com os passeios de madeira elevados e varandas sobressaídas: barbearia, hotel, salon, mercearia e pouco mais…; e fico pouco impressionado com os novos edifícios, mais ou menos vidrados, espelhados e altos…Sacramento não foi excepção…


Sacramento - old town

Sacramento

A caminho de Davis prossigo pela "bike route" que ladeia a estrada 80. Há vários ciclistas num e noutro sentido. Acompanho um cinquentenário com quem vou tagarelando e de quem recebo sugestões para o caminho a seguir até ao pacífico…sugere que prossiga em direcção ao lago Berryessa e depois para sudoeste, por Napa e Sonora, até chegar à nº 1, em Point Reys. É um pouco mais a norte e um caminho mais longo do que pensava fazer mas, face ao “it’s a hard road but a scenic road, you will enjoy it”, não ia recusar pela segunda vez seguir uma “scenic road”…ainda estou com a “lonliest road” atravessada!

O parque de campismo nas margens do Putah Creek é enorme, está praticamente deserto e parece ser um santuário/reserva de aves. Ao entardecer, os patos passam em bandos alinhados em V, como mandam as leis da física; as garças brancas parecem ser residentes; os pavões pavoneiam-se discretamente pelo meio das árvores, um qualquer pássaro cinzento metálico, cuja genealogia desconheço por completo, mergulha na água e regressa ao tronco da árvore vezes sem conta; por cima da minha cabeça inúmeros outros pássaros, uns com o pescoço vermelho, outros negros com umas bolas brancas nas asas quando abertas, fazem uma grande algazarra…


Putah Creek

O céu é das águias; o rio é dos patos, partilhado por uma ou outra garça branca; as árvores são de pássaros de várias cores, tamanhos e timbres; a estrada é minha…
Depois da vasta planície que se estende de Sacramento a Winters, pensei que até ao pacífico seria um passeio. Nada mais errado…as colinas vão-se sucedendo suavemente, mas sempre a subir. Nas encostas multicolores, o amarelo-torrado do feno em fim de vida, contrasta com as manchas densas dos carvalhos que trazem sombra à estrada. O lago Berryessa é uma pequena barragem na montanha, com os seus braços de águas verdes envolvendo os pequenos vales ressequidos.

Lake Berryessa

No fim de uma qualquer descida surge o primeiro vinhedo a perder de vista, geométrico, numerado, as videiras todas exactamente iguais, com a mesma altura, a mesma dimensão, creio que o mesmo número de cachos, talvez mesmo igual número de uvas por cacho...
No posto de turismo de Napa, o empregado parece ficar desapontado quando lhe digo que pretendo apenas um mapa da cidade e outro da região…já tinha engatilhado o discurso com todas as adegas, o respectivo circuito e operadores.


Napa - Vinhedos

De Napa a Sonoma sucedem-se os vinhedos e as adegas, algumas com casas sumptuosas e enormes. A estrada, em obras, praticamente não tem bermas e tenho de disputar os escassos centímetros necessários, aos carros. Foi o percurso com mais “adrenalina”e cheguei a Petaluma fatigado física e mentalmente…pouco faltou para desmaiar quando a empregada do parque de campismo me pediu $45 por uma noite…

De Petaluma a Point Reys Station é uma zona rural, pobre, remota. Os campos parecem descuidados, abandonados mesmo; um par de burros e outro de cavalos partilham as ervas ressequidas; as casas rareiam e quando surgem têm uma aparência modesta, quase decadente.

Petaluma-Point Reys

As colinas foram crescendo e formaram uma cadeia montanhosa. É a última barreira que me separa do mar, com que sonho há três dias.
A temperatura baixa abruptamente, a humidade vê-se, sente-se, é táctil e cai em gotas de arco-íris pelas folhas da floresta, agora densa e sumptuosa…o Pacífico vem assim ao meu encontro, fresco e de mansinho.

Point Reys

Point Reys Station parece ser uma aldeia feliz, depois de ter dado a volta ao destino. A decadência natural e morte anunciada pelo encerramento da linha e partida do último comboio, foi fintada pelos homens. A agricultura biológica, a sustentabilidade, a fusão entre alimentos naturais e gastronomia, os pequenos ateliers de arte e artesanato, a preservação e recuperação urbana e o “regresso à terra”, encheram de vida e cor as pequenas ruas, num convite silencioso à preguiça…
Point Reys trás consigo a estrada nº1, com quem tenho encontro marcado, que acompanha a costa do pacífico praticamente desde a fronteira com o Canadá até ao México, e com quem tenho encontro marcado.

Point Reys - Stinson Beach

Rumo agora a sul e a estrada mais parece uma ciclovia, tal o número de ciclistas com que me cruzo. Em Stinson Beach, poucas dezenas de kms antes de San Francisco, pergunto ao único veraneante das proximidades se há algum parque de campismo perto. Pergunta-me de onde sou e quando digo “Portugal”, desata num relato interminável sobre as suas próprias férias, há mais de 25 anos, em Portugal. Pergunta-me por Salema, na costa alentejana, e os olhos brilham-lhe. Uma praia deserta, onde só havia uma tasca, em que o marido servia à mesa e a mulher era a cozinheira. A massa de peixe era tão salgada que não a conseguiram comer, perante o ar incrédulo dos donos do restaurante. Repetia a pergunta se Salema ainda era assim ou se já estava cheia de hotéis e restaurantes. Depois falou-me de San Francisco. Que eu ia encontrar Lisboa em San Francisco, com tróleis, eléctricos, muitas colinas. Não lhe disse que em Lisboa já só restam as colinas…De repente parou de falar e perguntou-me o que é que eu queria saber. “Ah, parque de campismo!? Há um muito bom mas é de onde vens – em Olema…A única hipótese agora é fazeres campismo selvagem na praia, talvez na próxima, em Miura, seja melhor…é mais pequena e mais discreta. Há 30 anos era legal, agora não sei, mas experimentas e logo vês!!”. E foi-se embora de repente, praia fora… No meu mapa havia um parque de campismo poucos kms adiante – o deep ravine campground. O problema é que só era acessível com pré-marcação… A estrada subia falésia acima e lá do alto avisto a meus pés meia dúzia de telhados lá em baixo, junto ao mar, no sopé da ravina. Poucos metros depois surge a cancela de acesso ao parque. Estava fechada e com uma série de escritos sobre proibições e multas. Parei olhando para as alternativas, pesando os prós e contras, quando pára um carro. Sai um tipo e abre o cadeado de código e pergunta-me se também vou descer? Digo-lhe que estava a pensar nisso mas não tenho reserva feita… acrescenta que não há praticamente ninguém lá em baixo e decido avançar. Não só não conheço qualquer alternativa de alojamento perto como a localização do parque é irresistível. O acesso ao parque é por uma estrada estreita e que desce abruptamente até ao mar. O parque são meia dúzia de bungalows encravados nas falésias, mesmo em cima do mar, e literalmente mais seis lugares para tendas de campismo, dispersos na vegetação. Não há luz eléctrica nem duche, apenas uma casa de banho. No primeiro bungalow estão três pessoas sentadas no alpendre e trocamos cumprimentos. Explico de novo que não tenho marcação mas não há mais parques nas imediações e vai-se fazendo tarde…no fundo procuro cumplicidade. Uma das mulheres começa por me dizer que só está um lugar de campismo ocupado e que o parque era suposto ter fechado no dia anterior (30 de Setembro). E é então que olha para o marido e diz que posso ficar na “cabin” deles, pois vão-se embora hoje, lá pelas 8 horas, mas pagaram até amanhã…fico atrapalhado com a oferta, mas aceito.

Deep Ravine CG

O passeio pelo parque e a localização dos lugares de campismo fazem-me mudar de ideias…não resisto a acampar no lugar mais distante, à ilharga de um pinheiro com inúmeros braços que crescem quase junto ao solo, a poucos metros da falésia onde o mar rebenta com estrondo. Lá longe, para sul, por cima das nuvens ou do nevoeiro de fim do dia, vislumbro uma ponta metálica que só pode ser a Golden gate…

Deep Ravine CG

Acordo muito cedo…estou com a adrenalina toda e quero chegar rapidamente a San Francisco. As gaivotas e os corvos parecem tolhidos pelo frio e escondidos no nevoeiro cerrado, que por vezes parece mesmo chuva. A estrada sobe e desce, contornando as falésias onde o mar se ouve mais do que se vê. Os poucos carros que vão para norte e levam invariavelmente pranchas de surf no tejadilho. Começam a passar alguns ciclistas em ritmo acelerado. Após Muir Beach a estrada sobe acentuadamente e passam por mim, em ambos os sentidos, dezenas de ciclistas…afinal é sábado! Apesar de estar às portas de San Francisco, a paisagem é completamente rural, com várias pequenas quintas, invariavelmente com a indicação de exploração “organic”…

Muir Beach

Sousalito é a porta de entrada em San Francisco, e parece viver só do turismo, especialmente do cicloturismo… A Golden Gate pode ser atravessada a pé e de bicicleta, sendo o Golden Gate Bike Tour um dos circuitos mais populares da cidade, com prospectos, operadores e alugueres de bicicletas “por todo o lado”. Tem partida de San Francisco, principalmente da zona do porto e baia, e término em Sousalito, o outro extremo da ponte, de onde se pode apanhar o barco de regresso…

Marcha em Sousalito

Aos fins-de-semana, os dois passeios laterais da ponte estão abertos: um exclusivamente para bicicletas e o outro para peões.
Ainda era manhã e o nevoeiro denso apenas deixava ver parte do tabuleiro e dos cabos de suspensão da ponte, o que lhe emprestava um ar misterioso e incerto. Parecia verdadeiramente suspensa no espaço, conduzindo-nos ao vazio, ao infinito. Estava parado à entrada do tabuleiro, com dezenas de bicicletas a passarem em ambos os sentidos, quando um tipo me perguntou para onde ia. Saiu-me “Argentina”. E ele com olhar atento diz-me “não, isso é de onde tu és”. “Perguntei-te para onde vais”. E eu insisti: “I am from Portugal and I am going to Argentina”. Aparece uma miúda do grupo e ele olha para ela com um ar divertido e diz-lhe: “este tipo diz que vai para a Argentina”. E ela tem exactamente a mesma reacção dele: “Ele percebeu mal a pergunta… He is from Argentina”. E o outro, rindo-se, diz-lhe: “foi exactamente o que pensei, mas não, vai mesmo para a Argentina”. E lá seguimos juntos a conversar sobre bicicletas e alojamento em San Francisco, suspensos naquela parcela de metal vermelho que desaparecia suavemente no nevoeiro.

Golden Gate
Não consigo imaginar melhor forma de entrar em San Francisco…É como se aquele nevoeiro viesse de mansinho arrumar o passado, ordenar o quadro onde estavam escritos os lugares, as pessoas, as estradas, os montes e vales, o frio e o calor, a fadiga, e criar um espaço enorme para preencher com o que San Francisco sabe que tem para oferecer aos visitantes.

San Francisco

A Golden Gate entrega-nos directamente a enorme parque verde, com caminhos pedestre e ciclovias, umas vezes separadas outras partilhadas. Tomei o lado esquerdo, em direcção à marina e Fort Manson, sempre à espera que a ciclovia terminasse. Mas em San Francisco as ciclovias nunca terminam – na pior das hipóteses, prosseguem na rua paralela – e os parques verdes parece suceder o mesmo…

San Francisco

Estórias em San Francisco
Não vou alongar-me com relatos sobre a semana que passei em San Francisco…apenas umas pinceladas gerais e dois ou três episódios que achei singulares
Se pudesse escolher uma só coisa para levar comigo de San Francisco para Lisboa, escolhia os parques verdes…Grandes ou pequenos; só relvados, cuidadosamente ajardinado e tratados ou sem estado “selvagem”; com bancos e mesas para pic-nic ou recintos desportivos; cicláveis ou apenas acessíveis a peões; todos invariavelmente com casas de banho e, acima de tudo, repletos de gente de todas as idades, condição, tamanho e peso, muitos a fazerem algum tipo de desporto. No local mais inverosímil, podemo-nos deparar com um ou um grupo de “orientais”, normalmente pela manhã, a fazerem os seus exercícios lentos, pausados, suaves, de uma tranquilidade contagiante…

Festival Árabe


Golden Gate Parque

Se pudesse escolher uma segunda coisa, pois seriam as ciclovias…provavelmente San Francisco tem mais colinas que Lisboa – e garanto que tem ruas com inclinação muito superior às ruas de Lisboa. Ainda assim, não deve haver nenhum local da cidade que não seja acessível de bicla. E se há imensos ciclistas a pedalar por desporto, há incomparavelmente mais que o fazem como meio de locomoção…Sentia-me um verdadeiro caracol nas ciclovias. Homens e mulheres passavam por mim num ritmo que eu só com esforço acompanharia.


Parque de estacionamento

Porto de pesca

Porto de pesca

Porto de pesca

Se pudesse escolher uma terceira coisa, seria a vida da rua. No dia em que cheguei, numa qualquer praça da cidade onde fui dar por acaso, estava a decorrer o festival de cultura árabe. No Golden Gate parque, estava a decorrer um festival musical em quatro palcos simultaneamente, oferecido por um magnata multimilionário – parece que ofereceu um cheque de um milhão de dólares para a realização do evento – que incluía, entre dezenas de outros músicos, Patti Smith, Elvis Costello, Joan Baez. No dia seguinte, em Fort Manson decorria um mega encontro/manifestação e espectáculo musical em defesa de medidas mais eficazes na pesquisa e combate à sida. E o festival no Golden Gate parque, continuava. Todas as quartas, na Levi’s plaza, o SFJazz apresentava uma banda de jazz, das 12 às 13h30. Tudo isto de livre acesso, claro. Porque a pagar, nem imagino…Arcade Fire, na 3ª feira.

San Francisco

San Francisco

San Francisco
Se pudesse, continuava a escolher…e escolhia as cidades que há dentro da cidade…a Chinatown pela singularidade, colorido, diversidade, chinesices. Fillmore pelo Jazz. Mission, pelos murais, pelo sotaque, a língua, os cheiros. Pelo México. Fort Manson até Fort Point, pelos parques e a baia. …….. pelo porto, pelos barcos, pelos armazéns, pelos tascos, pela noite e pelo dia. Civic Center, pelas praças, pelos edifícios monumentais, pela praça das Nações Unidas, especialmente às Quartas e Domingos – dias do “farmer’s market” – pelo Yerba Buena garden e edifícios contíguos, pelo SFMOMA.

Mission
Se pudesse escolher, podia muito bem escolher San Francisco…
Se pudesse escolher, escolhia almoçar num burger king junto à Market Street. Estava sentado numa mesa perto da entrada e aproxima-se de mim uma mulher idosa, razoavelmente bem vestida e pergunta-me se pode levar os dois guardanapos que estão no tabuleiro (o 3º estava na mão). Digo para levar um, pois preciso do outro, mas ela pega nos dois e diz que preciso dos guardanapos para me limpar porque tenho comida para comer e vai-se embora com os dois…

Se pudesse escolher, estava parado pela manhã num semáforo do embarcadero, ao lado de um carro com dois ocupantes e o vidro aberto. O passageiro pergunta-me de onde sou e respondo “Portugal”. Ele diz-me: “Oh, Portugal! Very good country. You made lots of progress in last years. You legalize important things. Very clever, very clever…Have a good one!” e lá foi embora no sinal verde…
Se pudesse escolher, tinha comprado uns ténis, largado a bicicleta e corrido a cidade toda, tal a vontade que sentia cada vez que passavam por mim, fossem oito da manhã, ou dez da noite, nos parques ou nas ruas, planas ou inclinadas, gord@s ou magr@s, nov@s ou velh@os, velozes ou lentos, sós ou em grupo.
Se pudesse escolher, talvez escolhesse San Francisco…

20 comentários:

  1. Idílio, mais uma etapa... "If you're going to San Francisco...", cidade mítica e liberal, aproveita-a! daqui vão muitas, muitas saudades

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  2. Idílio,

    vá lá...confessa...San Francisco faz-te ter um bocadinho de saudades de Lisboa. :)

    (e se viste os Arcade, acho que tiveste mais sorte que nós aqui)

    um beijinho grande,

    Susana

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  3. Bolas, estive uns dias de férias sem "te" ler e já estás em S. Francisco! Estás cá com uma pedalada...saudades e beijos.

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  4. mas tu podes escolher! :)
    Confesso que não me importava nada de experimentar essa cidade para viver por uns tempos e gostava de descobrir as diferenças que surgiram desde a minha visita há 19 anos. Para já vou tirando prazer do relato da tua experiência. O verde e as ciclovias também têm tido a minha especial atenção desde que me mudei para Granada e continuo sem perceber porque lisboa continua a ter tão pouca atenção em especial para com as ciclovias que hoje em dia proliferam por tudo quanto é cidade no mundo.
    É sempre uma hora bem passada a ler cada pedaço de relato que publicas. Não te preocupes com distrações de ortografia ocasionais ou construção de frases. Isso será corrigido quando for para o livro...agora o que interessa é sentirmos que estamos aí contigo quase em directo, a ver as mesmas paisagens que tu e a passar pelas mesmas dificuldades que tu, a sentir e cheirar os mesmos ambientes que tu.

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  5. hoje na Antena 1, 6h15, diz o Candeias, "Idílio ... um verdadeiro herói", fica aflito quando a chamada cai "ai meu Deus" e no final do programa diz à tua mãe "aquele maluco"

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  6. Idílio, relendo e vendo as fotos com mais calma, constato que aí também há burros (o que é óptimo, porque aqui é uma espécie em vias de extinção), que partes dessa costa lembram a nossa costa atlântica e que as tuas fotos da golden gate lembram-me (quase igualam) as que eu tiro no tejo... Os exercícios tranquilizantes dos chineses são tai chi (hás-de experimentar...imitam pássaros e coisas assim, é lindo..) e percebo que essa cidade é mesmo especial e que a vida urbana e cultural parece bem estimulante. Por aqui, os arcade vão ser cancelados graças à nato, espero que os tenhas aproveitado aí...? Mais beijinhos e saudades

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  7. Tão bom foi te ouvir hj de manhã. E pensar q em Monterey aconteceu o festival de música que eu já tanto desejei poder ter assistido :D:D:D
    http://www.youtube.com/watch?v=gPvehX2aWb8
    ______________________________________________________
    Para quem não estava acordado...Idílio hj na Antena 1 apanhado de surpresa...




    http://www.muziboo.com/monicamindelis/music/idilio-13-10-2010/

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  8. Idilio
    Foi com muita emoção que te ouvi, hoje, desde S. Francisco, e muito mais por sentir a alegria e a felicidade da tua mãe.
    Tenho seguido o teu percurso e acho muito bonitos os textos e as fotografias e a certeza de que quando regressares temos muito que falar e a certeza de que tudo isto tem de dar um livro.
    Beijinhos
    Aida

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  9. Olá!!!!! Das minhas andanças por esse mundo afora, ainda não fui ao States, uma vergonha! Tenciono fazê-la mas a percorrê-la de carro (com bicicleta na bagagem)e a fazer camping da costa Leste à Oeste; nessa sua andança creio q nenhuma fotografia é comparável com as imagens captadas e guardadas na sua retina e para memória posterior;tens q fazer de qdº em qdº "up grade" da sua "memória"... Por cá,vou humildemente a pedalar nos possíveis fins de semana pela zona da Arrábida e arredores.Abção e até.Sunahara,o futebolista desperdiçado pelos 3 grandes de Portugal;ficou-se pela selecção da Mendonça Monteiro...

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  10. (Agência Royters)

    Português pondera desistir da sua aventura ‘do Árctico ao Antárctico em bicicleta’



    Idílio Freire, o ciclista português que começou em Julho uma viagem no Norte do Canadá, com o objectivo de chegar em 15 meses ao extremo sul do continente americano, estará a ponderar não terminar a viagem.



    Segundo a Agência Royters conseguiu apurar, a chegada do português à cidade de São Francisco foi o culminar de um período de mais de dois meses longe de uma grande cidade, e terá constituído um choque, para quem já estava pouco habituado à vida numa metrópole.



    Nos últimos dias a bicicleta tem estado quase sempre parada, e as noites têm sido de arromba, com longos e faustosos festejos. Idílio Freire terá confidenciado a uma fonte próxima que em São Francisco encontrou uma cidade parecida com Lisboa, com todas as suas vantagens, mas praticamente sem portugueses, o que a torna muito mais aliciante.



    Assim, e agora que já cumpriu o seu objectivo de se livrar dos seus colegas de trabalho, o português estará a pensar largar a bicicleta e ficar por São Francisco, continuando a alimentar o blog que tem escrito desde o início da viagem (www.bacalhaudebicicletacomtodos.blogspot.com) com fotografias retiradas de sites diversos na net e textos de circunstância.

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  11. Caro amigo,

    Nem pergunto como te sentes, pelo que escreves, pelas fotos, não poderias estar melhor.
    Tens numa familiar minha, uma companhia, pelo menos a acreditar na resposta que me deu quando lhe perguntei por onde andava, respondeu-me “ainda estou em viagem com o teu colega, ele pedala e escreve, eu leio e viajo!!!! porreiro pá! isto de andar à boleia é muita fixe.” . Diz tudo… continuação de boa viagem.
    Um abraço, do Leitão

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  12. Caro Idílio,
    É impressão minha ou estás a converter-te aos encantos do Tio Sam!? Já que estás em maré de "escolhas", equaciona ficar por aí mais uns tempos, pois os ventos na Lusitânia não estão de feição. Aqui até não será de estranhar que qualquer dia introduzam portagens nas poucas ciclovias existentes. "it's the deficit, stupid!". Um Grande Abraço, Palhares

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  13. Caro amigo é bom saber que continuas a pedalar em grande. Por este andar chegas ao Sul mais cedo do que pensavas.
    Mas a verdadeira surpresa é a tua paixão por Frisco ... quem diria. Quando voltares o Louçã já tas canta...
    Um Grande Abraço e força nas canetas

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  14. Idilio,

    Já não falamos há algum tempo, mas soube pelo Carlos e o meu irmão que tu andas a dar "uma volta de bike pelas Américas".
    Entrei hoje no teu blog e fiquei encantado com a tua viagem. Vou segui-la daqui para a frente.
    Boa viagem e good luck!!

    Jorge Santos

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  15. Meu caro amigo e colega. Ainda não tive tempo de o acompanhar desde que saiu de terras do Canadá. Aparentemente o meu chefe insiste em fazer-me pedalar a um ritmo mais intenso que o seu e que não me deixa oportunidade para o acompanhar.
    Apanhei-o agora a caminho de São Francisco e confesso que apenas li, à laia de Professor Marcelo, os seus últimos posts.
    Diga-me lá, é impressão minha, mas em Folsom não fica uma das maiores cadeias dos USA. Quer-me cá parecer que um corte de cabelo aí sair-lhe-ia por tuta-e-meia com a vantagem de lhe poderem desenhar logo uma florzinha no cabelo que anunciasse a sua entrada em S. Francisco como il faut.
    Começo-me a assustar com a sua procura de dormida em Folsom….Sosseguei-me com a dormida acompanhada do “ mega hambúrguer e três canecas” a dar-me uma vontade enorme de embarcar para aí mesmo que forçada a pedalar.
    Se passar por Sonora experimente o Cebicheria Erizo em Sonora St., a sul de Agua Caliente nos subúrbios de Chapultepec perto de Tijuana. Aliás essa zona é toda de restaurantes da melhor cozinha mexicana.
    À referência ao simultâneo Patti Smith, Elvis Costello, Joan Baez tive prestes a dirigir-me ao aeroporto.
    “Oh, Portugal! Very good country. You made lots of progress in last years. You legalize important things. Very clever, very clever…” Não lhe respondeu? “Very good my azz!!!! Legalize what? Corruption?
    Eu não sei quais os burros que a Sofia acha que estão em vias de extinção e qual o perímetro do “por aqui” mas, no meu “por aqui” as alimárias parecem reproduzirem-se a um ritmo alucinante.

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  16. era só para deixar o meu voto de protesto... há 10 dias que não dizes nada!!! tá bem que não queiras manter a janela escancarada, mas deixa um nesga, para que possamos ir espreitando... quanto mais não seja, o novo look!
    Fico contente por te sentir verdadeiramente feliz... Mantém-te! Traz esse sentimento e contagia-nos! ;-)

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  17. exactamente 3 meses depois consigo levantar a tua encomenda remetida em Whitehorse, dirão algumas pessoas que é um sinal de que a tua viagem acabará por chegar a bom destino

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  18. Grandes bjinhos da tua familia de frança :))

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  19. Idílio,

    "Quem anda por gosto não cansa" e ao ler o que te vai na alma, vejo que é mesmo assim. Ainda bem que estás pelas terras do "Tio Sam", é que pelas terras "Lusitânas" nada de interessante, palhassadas politicas e novas maneiras de nos tirarem dinheiro do bolso.
    Boas pedaladas e continua a partilhar a tua interessante viagem.

    Jorge Santos - Pombal

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