sexta-feira, 19 de novembro de 2010

De Mazatlan a Puerto Vallarta

De Mazatlan a Puerto Vallarta

De Mazatlan, sei que dista doze horas de ferry de La Paz, do outro lado do Mar de Cortez, no México continental.
O “Piloto II”, pintado com as cores do México, brilha nas águas azuis do Mar de Cortez, conduzindo à ilharga o Chihuahua Star até atracar no porto de Mazatlan.
O condutor de bicicletas tem o mesmo tratamento dos condutores de camiões: prioridade na saída; desce para o piso B; e pode usar o elevador.


Mazatlan

Como tenho um raio partido e queria comprar uma chave de cassetes (para desmontar a cassete da bicicleta, em caso de necessidade), procuro a bicicleteria Vallena (ainda não percebi porque raio escrevem V e dizem B…). À saída do cais de embarque cruzo-me com o Baltazar, um idoso numa bicicleta que aparenta ser da mesma faixa etária, e pergunto-lhe se conhece a bicicleteria Vallena. Olha-me com ar espantado e diz que sim, perguntando-me como sei eu da Vallena, pois não sou destas bandas. Explico-lhe e quando lhe pergunto onde fica, ele diz-me para o seguir que me leva lá…”é mais fácil”.
Sempre que o trânsito o permite, procuro pedalar lado a lado pela avenida Aleman, entabulando conversa sobre a vida na cidade. Diz-me que a principal riqueza é a pesca, que há cerca de duzentos atuneiros registados e mais de quatrocentos “camaroneros”. Que o mar é muito rico e que da terra nasce e cresce tudo o que precisam para viver… frutos, legumes e feijão. Já deixámos a Aleman e seguimos por uma rua perpendicular, estreita. Ele pedala à minha frente, vê se vem trânsito em cada cruzamento e, com a mão esquerda, manda-me avançar…É o meu batedor privado e voluntário… Enquanto lhe retribuo com a minha parte da estória, chegamos à Vallena, que está fechada. Fico a observar as instalações, a ver se tem um horário afixado e já o Baltazar dá meia-volta e me pergunta se não quero que me leve ao “tallere” onde ele vai com a sua bicicleta. Digo-lhe que sim e sigo-o novamente, agora em sentido contrário e contra o sentido do trânsito. A rua é de sentido único mas isso não parece ter significado para ele, que segue em ritmo rápido, avançando e espreitando em cada cruzamento e fazendo-me a sinalética enfaticamente para avançar…e eu avanço, com um sorriso estúpido e incrédulo: ou sou um gajo mesmo de sorte, ou este é um mundo muito melhor do que o melhor mundo que ousei sonhar… Chegamos à bicicleteria Fajardo e o Baltazar praticamente nem pára, mal me dando tempo para lhe agradecer…Como é que lhe poderia transmitir que não imagino melhor forma de entrar em Mazatlan; que a naturalidade da sua atitude me atingiu num ponto vulnerável, deixando-me com dificuldade momentânea em articular sons – ainda não sabia que dois dias depois, enquanto os meus dedos procuravam moldar as palavras, voltei a sentir um aperto algures entre a garganta e o estômago… Mas o Baltazar já tinha desaparecido na próxima esquina.

Mazatlan - Jesus

Jesus, sentado no pequeno banco de madeira, no centro da oficina, com uma roda entre os joelhos, levantou o olhar e disse-lhe qual o problema. Desta vez estava decidido a fazer algo mais do que substituir o raio partido e expliquei-lhe que os raios estavam a quebrar sistematicamente. Queria ou uma roda nova, ou os raios todos substituídos, ou, no mínimo, todos os do lado oposto á cassete – o único onde têm quebrado. Combinámos que substituía apenas raios de um lado. Perguntei-lhe quanto custaria e ele respondeu 60 pesos. “60 pesos, tudo”? E ele reafirmou que sim. Resumindo, para os interessados: paguei 17 dólares (2 dólares pelo raio e 15 pela instalação) nos EU; 50 pesos (que me pareceu uma pechincha) em Ensenada para substituir um (e por massa na roda de trás); 50 pesos em Guerrero Negro para substituir dois raios (os raios eram meus); 6 pesos por cada raio (não sei quanto por substituir um raio) em Ciudade Constitution e, agora, 60 pesos por 18 raios e respectiva montagem, em Mazatlan.
Quando voltei de tomar o pequeno-almoço numa taqueria perto, já estava pronta a Dempster. Perguntei de novo quanto era, para me certificar de que não havia engano, e Jesus olhou para mim com um ar que me pareceu de “fadiga” com a repetição do preço e lá insistiu nos 60 pesos. Dei-lhe 70 e ele pareceu confuso com o extra… deve ter pensado: “este cretino pergunta-me o preço não sei quantas vezes, pois deve achar demasiado, e agora dá-me dez pesos…”. Mas sorriu de satisfação quando lhe sugeri tirar uma foto à bicicleteria…com ele!
Os dias vão ser mais difíceis de gerir se acabar por viajar com o Brian…decidimos ir a um cibercafé para ele checar o mail – continua à espera de resposta de um cuchsurfing para saber se tem alojamento em Mazatlan.

Mazatlan - Teatro Angela Peralta

Acabamos por decidir pernoitar em Mazatlan e partilhamos um quarto no Hotel Belmar, no Malecom, frente ao mar – está em promoção e os 450 pesos reduzem-se a 350.
De cada praça, cada rua, cada esquina, cada casa, cada porta, do pequeno centro histórico de Mazatlan, brota o México que construi no subconsciente. Nos bancos de ferro, dispersos pelas ruas e praças arborizadas, namora-se com intensidade e sem preconceitos; discute-se política, basebol, futebol ou talvez a pescaria da noite passada; assiste-se impassível ao lento vai-e-vem de quem circula sem pressa, sem regatear um sorriso, um cumprimento e sempre disponíveis para juntar conversa; ouve-se música; engraxam-se sapatos; dorme-se a siesta com um olho semi-aberto. De cada porta emana um mar de odores, cores e sons.

Mazatlan

Olhares quentes, vendem gelados de muitas cores; Olhares de mel, vendem doces de muitos doces; olhares tristes, vendem tacos e burritos de muitos aromas; olhares marotos, vendem refrescos de todos os frutos; olhares de veludo, vendem frutos de todas as texturas e paladares. Olhares de todos os olhos, negros, brilhantes, mortiços, cansados, vivos, explosivos, atrevidos, gratos, tímidos, apelativos, implorativos, dignos, param, compram, comem, bebem, falam, cumprimentam-se, viajam até ao próximo olhar.

Mazatlan

O Mercado Pino Suarez parece ser um coração gigante de onde emana e onde aflui toda a vida de Mazatlan. Descrever o interior era falar de novo de todas as cores a multiplicar por todos os frutos, vegetais, legumes, flores, roupas, calçado, utensílios (de plástico, ferro, alumínio, barro), bugigangas, carnes, peixes, queijos, doces, bebidas e comidas – sem esquecer os torresmos – esses mesmo – de toucinho de porco.

Mazatlan - Mercado

Numa das esquinas fui travado não sei se pelos dois pares de olhos marotos, se pelas cores dos grandes boiões de refresco. Enquanto olhava indeciso que cor escolher, o polícia que sorvia pequenos goles de sumo de goiaba, perguntou-me se já tinha provado o sumo de cevada. Por acaso já, mas disse que não e ele afirmou convicto que era o melhor. Aceitei a sugestão e o olhar negro maroto despejou duas conchas de sumo no grande copo de plástico, com palhinha. Ali sorvi, o mais devagar que consegui, o delicioso sumo de cevada, perante o ar inquiridor, primeiro, e orgulhoso, depois, do polícia e o olhar, agora cúmplice, de seda negra das duas mexicanas. Subi ao primeiro piso do mercado, a zona de restaurantes. O longo corredor estava praticamente às escuras, apesar dos restaurantes de um e outro lado. Alguns estavam fechados, os outros abertos mas sem qualquer cliente. As ementas afixadas eram pouco variadas e não muito apelativas – ou talvez fosse o ar descuidado, sombrio, mortiço, sujo mesmo. Dei uma volta e surpreendi-me com a ausência do habitual apetite voraz…a cabeça estava na praça junto ao Teatro Ângela Peralta, de esplanadas com música ao vivo e ementas em inglês. Mas que raio de partida esta, então não havia de sorver um pouco mais do coração de Mazatlan!?

Mazatlan - Mercado, até quando o estômago resistirá?

Dirigi-me ao restaurante que me pareceu menos sombrio e questionei o rapaz de negro sobre o que havia para comer. Com ar incrédulo, perguntou-me se queria mesmo cenar e confirmei com a cabeça. Trouxe-me o menu e escolhi caldo de camarão e brocheta de marisco. Procurei uma mesa junto à varanda, de onde subiu um ruído caótico de vozes, buzinas e motores e quando puxei a cadeira, fiquei com o tampo na mão. Não desisti, insisti. Na cozinha, à minha frente, a frigideira incendiou-se e o cozinheiro/empregado desligou o gás. Os camarões passaram ao meu lado, do frigorífico para a mesa da cozinha. Quando pedi uma Tecate para beber, a miúda que passou o telemóvel das mãos para o decote da T-shirt, perguntou-me quantas queria…desta vez era eu o surpreendido… respondi: uma para já. E ela, algo atrapalhada, “e só vai querer uma”? Porra, eu não estava a perceber o ponto… ela explicou. É que tinha de ir buscar à loja comprar…Foi ao frigorífico e trouxe a única Pacífica que havia no restaurante. Decidi deixar-me de esquisitices e ficar-me pela Pacífica…O caldo escuro, com para aí uma dúzia de camarões médios, estava apaladado e soube-me muito bem. A brocheta tinha um gratinado com queijo e mostarda em excesso…Ia comendo e pensando que se o meu estômago e intestinos resistissem a este jantar, estava pronto para chegar ao Ushuaia sem passar muitas semanas de internamento!
Frente à municipalidade (câmara local) continuava a manifestação dos Picachotos. Homens, mulheres, jovens e crianças de Picachos, vieram exigir justiça, verdade e o cumprimento dos compromissos. Destruíram-lhes as casas para construírem uma barragem. Prometeram-lhes casas novas em substituição das antigas e água canalizada em Picachos. E não cumpriram qualquer das promessas…olhei para os rostos sisudos, fechados, olhares azedos, pesados e vi em cada um, um Baltazar acossado, revoltado e irremediavelmente destruído pela frieza dos cifrões numa folha A4 ou num moderno e-mail. Nas duas semanas passadas na Baja Califórnia, vi dezenas de placards publicitários da Secretaria de Comunicações e Transportes, do género: “o governo federal investe 34,1 milhões de pesos na construção desta ponte, em benefício de 80 000 cidadãos”. Já tinha constatado que não vi um único anúncio do género, mas relativo a hospitais, escolas ou obras sociais. Quantos milhões serão necessários para pagar a dívida a estes Baltazares, antes que deixem de o ser…



Mazatlan - Manifestaçao de Picachos

Vagueava em direcção a lado nenhum quando, de uma esquina próxima, o som roufenho de música quente me travou o passo. Estiquei o pescoço e estava enfiado do bar Olímpia. Calculava o próximo passo a dar – se avançar se recuar – mas já uma cinquentona volumosa, de camisola lilás bem cingida, com “LOVE” em dourado flamejante, me acenava de sorriso aberto e olhar afável. Não havia como recuar. Menos havia porque recuar…

Mazatlan – Bar Olimpia

O bar Olimpia é um barracão rectangular, pintado em tons de amarelo, laranja e vermelho. Tem uma mesa de bilhar, verde e vermelha, num dos cantos, junto ao balcão, que fica no extremo oposto à entrada e mesas com toalhas de plástico grosso, listadas de vermelho e branco. Uma grande jukebox reforça o ambiente festivo. Cruzei a sala toda para chegar ao balcão e senti-me o centro de todos os olhares… Pedi uma bebida forte (a pensar na digestão do jantar) e aceitei a sugestão para a tequilla – com sal e lima, para ajudar. Escolhi uma mesa suficientemente perto das duas que estavam ocupadas pelas quatro cinquentonas – empregadas do Olímpia – e seis ou sete homens não mais novos, mas com uma panorâmica ampla da sala.
Passei duas horas deliciado, com os sentidos a atropelarem-se. Na mesa de bilhar, sucediam-se os campeões, num roda-e-bota-fora, exibindo poderosas e certeiras tacadas; na mesa do canto, uma das empregadas seduzia um cliente sequioso, que passava de quarto em quarto de hora para a casa de banho; nas duas mesas junto a mim, a conversa era animada e um olhar mais demorado, uma mão feminina tocando uma masculina, ou um braço roçando fugazmente outro, pareciam ser a única partilha sexual; numa mesa, no centro da sala, um semi-bêbado entusiasmava-se a cada nova música com que a Junkbox nos brindava. Os vendedores ambulantes, oferecendo pevides, pistachos, chicletes, tabaco e outros bens, aqui de primeira necessidade, iam-se sucedendo. E não faltou o fotógrafo de polaróide ao peito, que teve a sorte de encontrar este desarmado e extasiado estrangeiro. Trocámos fotos – eu de digital em punho e ele de polaróide ao peito. Ganhei eu, que fiquei com ambas as fotos, e ele, que ficou com 50 pesos, depois de regateados (60 pela mudanças dos raios da bicicleta – a escala também chega aqui).

Mazatlan - Bar Olimpia, Polaroid

Do balcão, uns palmos acima da cabeça do empregado, Jesus – Cristo – e Nossa Senhora – sua mãe espiritual – partilham a escassa garrafeira, de onde observam, com ar compreensivo e tolerante, o mundo terreno que os alimenta.

Mazatlan - Bar Olimpia



Mazatlan - Adonde és!?

E a noite continuou, quente e musical. Na cantina “tertúlia”, o bar dos forcados amadores de Mazatlan, fui encontrar a praça de touros do campo pequeno em “corrida à antiga portuguesa”, com 6 magníficos toiros da herdade de não sei quem, nem que cavaleiros, mas com o grupo de forcados de Mazatlan!! E Vila Franca em “monumental corrida” e mais não sei quantas!! E eu, que detesto touradas e essa barbárie, não consegui ficar imune ao entusiasmo e carinho com que me trataram – sairia de lá de rastos com as Coronas que tinha para pegar, se não assumisse ser descortês e ficar-me pela pega de cernelha (a duas).

Mazatlan - Lisboa

Mazatlan – Che

Mas no caminho até ao hotel ainda joguei futebol, com o Mourinho, Figo, Ronaldo e Benfica pelo meio, e arrasei o sonho de um vagabundo que guarda religiosamente 10 (ou 100?) mil liras oferecidas por um turista italiano, há uns anos, e que me ouviu, incrédulo, dizer que as liras acabaram. Agora é o Euro, a nova moeda que circula na Europa, e em Itália também…

A companhia do Brian significa uma pequena revolução na minha (des)organização. Adora o ar condicionado, eu detesto; acorda às 5h da manhã, eu acordo com o nascer do sol, lá mais pelas 7h…; é-lhe indispensável a internet – actualiza diariamente o diário na Web -, eu dispenso; busca desesperadamente café de manhã, eu não sou de café; prefere as lojas de conveniência Oxxo – estandardizadas e iguais em todo o país -, eu é mais as tascas e vendas locais; tira fotos enquanto pedala, eu gosto de parar e demorar a tirar uma foto; é fortíssimo a pedalar, especialmente a rolar, e gosta de chegar cedo ao próximo hotel, eu gosto de seguir num ritmo mais calmo; tem forte preferência pelos hotéis, eu é mais campismo; janta tacos e almoça as suas invariáveis sandes de manteiga de amendoim e geleia de morango, eu procuro as loncherias e como o que há; mantém-se fiel às bananas, eu é goiabas, papaias, ciruelas, mamão, abacates…ainda não tive coragem de me atirar a uma jaca inteira! praticamente não fala espanhol, eu desenrasco-me… Tirando isto, somos iguais! Ambos homens, ambos de bicicleta, ambos pedalamos para sul…eu para a Argentina, ele para o Panamá.
Deixamos Mazatlan mal o dia clareia. Eu quero ir pela estrada (secundária) 15, ele pela “auto-pista” 15D…Como vou á frente, sigo pela 15 e o Brian segue-me. As duas estradas seguem paralelas mas, contrariamente às minhas expectativas, a 15 tem bastante trânsito, incluindo camiões, e praticamente não tem bermas. A condução é tensa, as tangentes dos carros são frequentes e uma ou outra culminou em saída de emergência pelas ervas que ladeiam a estrada.


Chegada aos tropicos
O Trópico de Câncer ficou para trás…estamos entre trópicos. A mudança na paisagem é “da noite para o dia”. A Sierra Madre Occidental surge no horizonte colada ao céu azul; a vegetação é densa e verdejante, cobrindo tudo o que o olhar alcança; os primeiros mangueirais, de folhas viçosas mas infelizmente fora da época do fruto, ladeiam a estrada; flores de diferentes espécies e cores despontam de quando em vez na berma da estrada; borboletas multicolores esvoaçam trapalhonas, chocando comigo aqui e acolá, pássaros ocultos pela densa folhagem das árvores, chilreiam ruidosamente ao longo da estrada.
Em Vila Unión as duas estradas voltam a encontrar-se e aceito a sugestão de experimentar a auto-pista. Na verdade a auto-pista, apesar de portajada, está longe ser uma auto-estrada. Tem apenas uma faixa de trânsito em cada sentido, bermas grandes e não tem separador central. Como é paga, o trânsito é mais escasso do que na 15 e, com as bermas largas, é muito mais seguro e descontraído pedalar.

Escuinapa

Escuinapa de Hidalgo é seguramente a povoação com maior concentração de bicicletas per capita que já vi. Novos, velhos, crianças, homens e mulheres, por diversão mas principalmente como meio de transporte, não dispensam a bicicleta. Em poucos quarteirões contei quatro oficinas… Na praça central, junto à igreja, existe um monumento à bicicleta, invocando razões ambientais…seja como for, aqui o uso da bicicleta é tão natural e intenso como o carro nas cidades ocidentais. Quando perguntei a um grupo de homens, sentados no jardim ao lado das suas pasteleiras, a razão de tão intenso recurso à bicicleta, olharam-se e responderam apenas que são precisas para se deslocarem…



Chapéus há muitos...

A estrada que nos leva, leva-nos por bons caminhos…vai contornando a Sierra Madre Occidental e poupa-nos as pernas; espraia-se pela planície costeira e traz-nos sucessivas lagunas de águas azuis, paraísos de milhares de garças brancas, pretas e cinzentas, pelicanos, patos e outras espécies que desconheço; flecte um pouco para interior e esconde-nos nas sombras dos mangais verdejantes; leva-nos mais para sudeste e a vegetação diversifica-se: os coqueiros agigantam-se numa elegância impar, encimados pela folhagem verdejante que forma uma copa circular, protegendo as dezenas de cocos presos em firmes cachos; das bananeiras, de longas e largas folhas esfarrapadas, pendem pesados cachos de bananas, enfiados em sacos de plástico branco ou azul, à espera de serem colhidos; do topo dos troncos finos das papaieiras, alinhadas geometricamente em modernas plantações, caem em cascata deliciosos frutos.

Laguna Garza

Mangueirais

E mais árvores e mais frutos e mais verdes e mais tons e sons… e de repente, uma curva da estrada presenteia-nos com uma, ou duas, ou várias bancas onde todos os frutos se exibem, num festival de cores, cheiros e sabores. Já consigo identificar metade das variedades, mas no meu exíguo saco de comida, só posso transportar uma quantidade muito limitada…opto pela diversidade: uma banana de qualidade/paladar, um abacate, duas laranjas diferentes, três goiabas, a papaia mais pequena e uma lima para acompanhar…


Cores e aromas

Desde que descobri as goiabas, não quero outro perfume. Uma em cada saco e desapareceram os cheiros que sempre se instalam em quatro meses de viajem…agora é um gosto abrir qualquer saco…a próxima experiência é na tenda e talvez mesmo no saco cama!! (infelizmente nos ténis não dá mesmo jeito…).
A independência anda por aí, de mãos dadas com a revolução. Os cartazes abundam: 200 anos de independência, 100 anos de revolução. Tierra e Libertad! Que viva Zapata! José Maria Morelos, Miguel Hidalgo, Emiliano Zapata, Lázaro Cárdenas. São tantas a s povoações com estes nomes, que se torna impossível utilizá-los como referência geográfica… Creio que há mesmo povoações que têm um nome oficial mas que adoptam localmente o destes Heróis…

Festejos da revoluçäo

Puerto Vallarta é um nome sonante na costa ocidental mexicana…a Bahía de Banderas dá-lhe as praias de águas azuis, ou verdes, ou brancas ou da cor do nosso olhar. A Sierra Madre del Sur, empresta-lhe a verdejante encosta que a protege e esconde do mundo. O rio Ameca traz-lhe a frescura e os segredos da montanha; nas suas margens, sob as frondosas árvores, estende-se um interminável colorido de artesanato, restaurantes, cafés, pequenos ateliers, cantos e recantos de onde nos olham diversas estátuas e criações artísticas. Não falta o John Huston, na sua cadeira de realizador, nem a casa da Elisabeth Taylor, que se terá apaixonado pela cidade…
Mas chegar a Perto Vallarta de bicicleta não é tarefa fácil…as ruas do centro da cidade são autênticos cartões de ovos, com o pavimento típico de seixo. Um ciclista nunca poderá esquecer a sensação terrível, das pernas, aos braços e mãos, mas com particular incidência no já sofrido rabo…a própria bicicleta gemia em todas as articulações, e não era reumatismo...


Puerto Vallarta

O hotel Jasmim fica no coração da cidade, na zona turística, mas não é turístico. Na recepção, a Nena, chegada de férias no dia anterior, 63 anos, sorriso fácil e voz tranquila, anunciou o preço de 500 pesos, mas tinham uma promoção para seniores, com idade superior a 60 anos. Respondi-lhe, a rir, que tinha 65 anos e o Brian devia ser ainda mais velho. Ela pegou na calculadora, tirou 20% aos 500 pesos e mostrou-me os 400 pesos do resultado. Eu não estava bem a acreditar, mas disse de imediato que fechávamos negócio…

Puerto Vallarta - Malecon

Não fosse a abundância de turistas, canadianos e americanos, e seguramente Puerto Vallarta seria uma cidade onde gostaria de despertar qualquer amante do mar, da praia, da floresta, da montanha, mas também da languidez, da tranquilidade, do calor, do sotaque espanhol, da tez morena mexicana, dos aromas dos frutos e da gastronomia, do colorido mercado, do charme das praças, quiosques, restaurantes e bares, das ruas inclinadas pela encosta íngreme, ladeadas de casas brancas em recantos improváveis e equilíbrio instável. Da vida lenta do Malecon, onde se come, bebe, passeia. Mas fundamentalmente onde se está, se conversa e se namora desde tenra idade...


Malecom

11 comentários:

  1. Idílio, deixo aqui um grande abraço e mais um "snack de energia" para continuares. É verdade estás em território de boas ondas, e porque não uma ondita...eheheh...

    Grande Abraço
    Ricardo

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  2. sente-se bem a alteração de ambiente, as paisagens grandiosas a darem lugar aos recantos urabanos, às pessoas e suas culturas. Foi a 1ª vez que não senti que estavas numa aventura solitária tal a riqueza das tuas descrições, do contínuo aparecimento de pessoas de todos os sabores e cores. Não posso dizer que conheça o continente americano assim tão bem, mas o México foi sem dúvida o país que mais me ficou no coração de todos os que visitei e fico feliz de reencontrar o mesmo ambiente humano nas tuas palavras. Até já pedalas acompanhado...quem sabe se não será sempre assim a partir de agora, mesmo sabendo que não é nada a mesma coisa que pedalar sózinho :)

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  3. Idílio, é melhor não voltares a perguntar aos mexicanos porque é q eles andam de bicicleta, ta´bem?... ;) É q dá um bocadinho de mau aspecto eh eh!

    Um abraço forte!
    Estarei na quarta-feira acordado pra te ouvir.

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  4. Idílio,

    mais uma vez, uma delícia de relato. Tenho é que confessar que cada vez que leio Puerto Vallarta, só me vem à ideia o 'Barco do Amor', qual reflexo pavloviano. lol.

    bjinho grande,

    Susana

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  5. Caro Idílio

    Pode ser coincidência, mas estes teus relatos sobre a fruta denunciam-nos alguma languidez mal contida. Então as referências às mexicanas... cá para mim ainda te vais "embarrascar" por essas bandas e ainda ficas pelo caminho. Pedala, pedala, que nós por este Portugal deprimido e em crise ansiamos por mais um relato das tuas viagens. Funciona como um paliativo! Portanto, nada de te desviares dos objectivos da aventura.
    Abraço
    Palhares

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  6. Idilio, para a resolucao do problema do cheiro das sapatilhas, uma vez q os outros cheiros ja estao resolvidos, sugiro duas fatias de goiabada, uma para cada sapatilha, a substituirem as palmilhas.

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  7. Depois da incursao por uma certa hostilidade, tensao palpante dos seres na terra imponente dos estados ditos unidos, a mente social,comunitaria dos locais que atravessa acompanha agora o viajante, embala o nos sonhos que cria em cada pedalada, deixando nos na sua escrita, no português sentimental que nos une, a serenidade da conquista.Adiante,Bart.Dias,Pedro Alvares Cabral,Fernao Magalhaes(e o seu estreito ainda distante,mas tao perto),Adiante Ilidio.
    Cumprimentos,
    João Meireles

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  8. Eu utilizo http://www.vpike.com para explorar locais por onde passa o Idílio.
    Juik

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  9. Tenho acompanhado o demolhar do bacalhau com um “apego” raro,… para a minha desprendida pessoa.
    A aderência e satisfação com que li cada um dos teus relatos, advém, provável e inusitadamente de, conhecendo a tua “casta”, ter sido impelido pelo meu imaginário a “observar” o prazer intenso e diário com que tens, com toda a certeza, vivido estes teus dias.

    Vais, no entanto, permitir que escreva, eu também, um “aparte”.
    Então esta “coisa” não era para demolhar a pedalar ?
    Na primeira semana, até Dawson, passaste o tempo a andar de Ferry.
    Mais tarde, quase “obrigavas” um camionista a inverter o sentido da sua marcha para te dar boleia, alegando que estava a cair uma “chuvinha”.
    Pouco depois, “inventas umas fogueirazitas” a que chamas incêndio e sentas-te no chão a aguardar que “alguém se condoesse e te oferecesse boleia”. Uma moça jovem e forte (palavras tuas) condoeu-se e lá andaste vários Kms à boleia.
    Para Calgary também foste de popó.
    Agora, de La Paz para Mazatlan, andas 200Kms para sul (sudeste) de Ferry.

    Não faças batota.
    Se fosses “homenzinho”, seguias a sugestão do Carlos, quando refere que em La Paz existe um aeroporto de onde partem aviões para todo o Mundo e voltavas para Inuvik, para fazeres isto como deve ser,… a pedalar. ;)

    Um abraço cheio de energia para as próximas pedaladas.

    JMorgado

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  10. Leio-te e dou comigo a pensar que, apesar da barba, estás a antítese da música do Variações: estás bem onde estás, só queres ir aonde vais... que inveja! (no bom sentido ;-) ). Não digo para te cuidares, porque o tens feito lindamente... Obrigada por não te esqueceres dos seguidores do blog! não diminuas a pedalada fantástica!... de escrita...*s

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