De Moricetown a Telkwa
Se os Suíços ofereceram ontem o jantar, o mínimo que podia fazer era pagar eu o parque, e foi o que fiz. Quando assomaram os narizes fora da tenda, olhar ensonado, já eu estava de “malas aviadas”. Mesmo assim tomámos o pequeno-almoço juntos. Equacionei esperar por eles e irmos juntos até Smithers, mas desisti da ideia quando o Lukas disse que ainda demoravam cerca de hora e meia até arrumarem tudo…cá para nós, não percebo porque raio desmontam a tralha toda das bikes, todos os dias…eu mantenho sempre os alforges colocados, excepto quando dou alguma limpeza à Dempster (acho que é um bom nome de guerra e, ao mesmo tempo, uma justa homenagem à “nossa” primeira estrada, pelo que, a partir de agora, Dempster também é nome de bicicleta…) ou arrumo a tralha toda, o que é raro...
Até Smithers são 30 kms e o meu objectivo para hoje era mesmo chegar o mais rapidamente possível. Queria dar uma revisão à Dempster, pois anda há uma semana a queixar-se fortemente de artroses e reumatismo. E eu não quero cá queixinhas. Se tem problemas de saúde, resolvem-se. Também previa passar algum tempo na biblioteca, para pôr os meus amigos resistentes à prova, com mais um capítulo.
A paisagem mudou e a estrada também: “normalizou-se”. Ganhou trânsito, faixas de rodagem, cores das marcações, abundantes placas de sinalização, “rest area”, pequenos povoados, quase sempre com estação de serviço, incluindo mercearia. E surgem as primeiras áreas de cultivo, essencialmente cereais e pastagens. Ainda assim vão emergindo ao longe cadeias de montanhas esbranquiçadas da neve, lagos, agora o mais das vezes propriedade privada e integrados nas quintas.
Chegado a Smithers fui directamente à McBike, a loja que me tinha sido recomendada pelo Bob. O dono – Peter Crouse – foi simpático, falou com o mecânico e combinámos que passava por volta das 5h.
Depois de dar uma volta pela cidade e comer qualquer coisa, fui para a biblioteca – mais uma que nem vale a pena comentar, pois cada uma me parece melhor que a anterior… Passei 3 boas horas de volta das electrónices: mail, blog, facebook. A parte boa é que durante esse tempo sinto aproximar-me dos meus amigos. Vejo-os e ouço-os através das mensagens simpáticas e dos comentários ao blog…
Pelas 5 horas lá estava de novo na McBike, na expectativa de ver o que me esperava: suspeitava que ia ter uma boa conta e assim foi. Mudança de corrente, cassete e pedaleira média (já agora para os entendidos, passou a ter 34 dentes em vez dos 32 da velha…). Conta feita, 240$...
Como Smithers não parece ter nada de interesse para ver, decidi percorrer os cerca de 15 kms até ao parque de campismo de Tyhee lake. Fica numa pequena elevação, junto à vila de Telkwa, e é um parque fantástico, de floresta densa, selvagem, junto ao lago de água espelhada, onde não faltam os patos do postal e é permitido nadar.
Já tinha jantado e recolhido á tenda para as notas e afazeres nocturnos, mas tive de sair para ir buscar o ciclómetro. E nesse lapso de tempo fui surpreendido pelo meu vizinho do “quarteirão” ao lado – James Nielson – a convidar-me para jantar. Ainda procurei recusar, pois já tinha jantado (na verdade, em Smithers fui à “casa do pesado” e pequei duas vezes: um double big mac meal e uma coca-cola…e no parque de campismo voltei a jantar), mas pareceu tão desapontado com a minha recusa, o tom de voz com que disse a ementa (batatas, cogumelos, legumes, bife, vinho e cerveja) era tão triste, que não consegui recusar…
O Jim, “como a mãe o trata”, está a passar férias só, pela primeira vez em 30 anos. A mulher e as duas filhas “lindas, que todos dizem irão ser modelos”, foram noutra direcção. Não se calou durante o jantar…parecia andar em busca de si próprio, de um rumo para a vida. Percebia-se que estava a detestar as férias sozinho, que tinha saudades da família, dizia coisas para se convencer a ele próprio, nem esperava que eu respondesse ou sequer comentasse o que dizia. Parecia um homem vergado e derrotado. Se eu imaginasse alguém à beira do suicídio, pensaria em alguém como ele…Até que se calou e passou a palavra para mim. Falámos do Canadá, da beleza e da simpatia. Do mundo, da pobreza, da 2ª guerra mundial e da construção da Alasca Hwy. Fomos bebericando vinho e eu comi-lhe o queijo todo…é impressionante o que posso comer... E despedimo-nos com votos de boas férias.
De Telkwa a Burns lake
No dia seguinte parti cedinho, como gosto. Tinha decidido mandar finalmente fora o relógio e as calças de plástico velhas, pois tinha comprado umas verdadeiramente à prova de água e, espero, respiráveis. Decidi deixar as calças sobre a mesa de campismo, pois alguém as poderia aproveitar…já o relógio, iria repousar para sempre no fundo do lago Tyhee. A partir de agora, não há datas, nem dias da semana ou do mês…as horas serão mais solares e físicas e menos institucionais.
Telkwa, nas imediações do parque de campismo, ficou-me como a povoação mais simpática que encontrei até agora ao longo da Yellowhead. Situa-se na margem do rio, com casas pequenas, ajardinadas, cuidadas nos pormenores, um pequeno passeio com bancos de jardim frente ao rio e, no fim da aldeia, duas pontes: uma para a linha ferroviária, outra para a rodovia, ambas com ar antigo, rústico…
Pedalei distraidamente quase até Huston. A paisagem mais próxima da estrada é predominantemente cultivada – forragens, parece-me. Ao longe as montanhas mantêm a presença mais discreta. Poucos kms antes de Huston, mesmo junto à “rest area”, passa por mim uma auto caravana – era o James. Era previsível, pois regressava a casa, em Fort San James… Passou, apitou e virou para o parque, à esquerda da estrada. Também me encaminhei para lá e aparece todo esbaforido, com as minhas calças na mão dizendo que eu me tinha esquecido delas e que estava muito preocupado em conseguir entregar-mas. Nem tive coragem para lhe dizer que as queria mandar fora…guardei-as e agradeci. Mas a surpresa não tinha acabado…tinha preparado o pequeno-almoço e trazia-me um taparwere cheio: ovos, bacon, batata, cebola – aquelas mistelas que fazem. Como já sentia apetite e pensava almoçar em Huston, caiu que nem ginjas. Agradeci mais uma vez e cada um seguiu o seu caminho, não sem que antes me tivesse dado um cartão com o telefone e pedido para lhe telefonar quando regressasse a casa, daqui a 1 ano ou 2. Só para saber que tinha chegado bem…
De Huston a Burns lake foi ainda uma longa jornada… mas com o vento a ajudar, lá cheguei. Praticamente não havia visibilidade com o fumo dos incêndios na zona…acampei no parque municipal, mesmo “com os pés no lago”.
De Burns lake a Vanderhoof, com água na boca e bife na brasa
A noite foi muito fria, mas o dia acordou ensolarado. O efeito era uma densa e misteriosa evaporação nas águas geladas do Burns lake, que quase me entrava pela janela…
Estava com expectativas de que Fraser Lake, o próximo povoado no meu caminho, tivesse algo especial…o lago é muito grande e esperava algo que não sei definir. Mas não. Desilusão total, não sei se pelo frio e vento forte que persistiam…almocei apressadamente num parque de recreio, junto ao lago, e continuei.
Até Vanderhoof, quase não se via a estrada, tal a densidade do fumo dos incêndios circundantes... de resto, aumentavam as explorações de madeira, com fábricas, camiões carregados, cheiro a madeira e a serradura.
Em Vanderhoof passei pelo pequeno museu e respectivo café, tomei um chocolate quente e fui directo para o parque de campismo. Depois de montar a tenda e tomar banho, desta vez de chuveiro, com água quente, sem limite de tempo nem custo adicional, fui à povoação, logo ali, a cerca de 1 km. Desde manhã que geminava na minha cabeça a vontade de comer um grande bife – ou naco – de vitela na brasa. Quando fui às compras de manhã, em Burnes lake, olhei para a secção da carne e ficou-me gravado um enorme bife bem vermelho…e ficou a fermentar na memória até à noite. A embalem mais sedutora tinha dois nacos enormes – 640 grs – e foi essa que comprei. Faltava a bebida… não é fácil arranjar bebida alcoólica por aqui, ainda por cima fresca. Vende-se em estabelecimentos especializados e rareiam, ou estão mais disfarçados. Depois de alguma persistência, tinha tudo o que queria para o banquete.
Chegado ao parque, acendo o barbeque com a madeira que por lá rebusquei, e já crepitava abundantemente quando passa uma carrinha lentamente junto à minha clareira. Faz marcha-atrás e já estava a antever o problema… veio o responsável do parque, com ar sério mas afável, e disse-me o esperado: que era proibido fazer qualquer tipo de fogo na British Columbia. A província estava a ser assolada por uma vaga de incêndios (mais de 350!) e era completamente proibido (já nem sei o montante da multa que me referiu…). Apaguei logo a fogueira com água e…adeus jantar!! Não podia ser. Não estava preparado para renunciar assim… decidi improvisar. O kit de culinária tem um tacho e uma caçarola mais pequena. E foi nesta coisa, onde cada bife se contorcia para caber, que acabei por “grelhar” na “chapa” o meu delicioso jantar…
Daí a pouco surgiu de novo o responsável, agora para cobrar o parque. Diz que o preço é 25$, mas dado o meu curriculum (já venho de Inuvik, atravessando boa parte do Canadá e com o objectivo de chegar à Patagónia), só pago 10$!
De Vanderhoof a Prince George, um dia para os amantes (só) da bicicleta
De Vanderhoof a Prince George, fica-me na memória como um dia de puro ciclismo. Pedalar, pedalar, pedalar. Galgar quilómetros atrás de quilómetros. Bater o “recorde” da melhor média. Sentir as pernas quentes e o coração em ritmo acelerado. Tudo isto porque nada vislumbrei no caminho que me prendesse o olhar ou qualquer outro sentido… em todo o dia, tirei uma foto, por simbolismo, à entrada de Prince George…
A cidade é horrível, as casas parecem armazéns. Apenas os parques de recreio, verdejantes, grandes, bem equipados e estrategicamente colocados, especialmente um ao longo do Fraser river, valem a pena.
De Prince George a Ancien Cedar Forest, da intempérie ao primeiro teste mecânico
Ontem decidi comprar um termómetro…mandei fora o relógio mas comprei um termómetro e o resultado não podia ser pior: juntou-se o frio psicológico aos 8º que ainda se fazem sentir às 9 da manhã e à chuva, e o resultado foi partir apenas às 11h, e com as luvas pela primeira vez calçadas. Isto para além da tenda molhada…
Toda a manhã pedalei com frio e a apenas três quilómetros da rest area onde contava almoçar, abrem-se as portas do céu e despejam uma torrente de água e granizo sob a minha cabeça. Mal tive tempo de enfiar as novas calças impermeáveis, que passaram no teste às mil maravilhas…o espírito do viajante é sempre este: encarar pela positiva as piores provações. Assim já sei que tenho umas calças adequadas para quando a chuva for sistemática…
Cheguei à rest area e enfiei-me na casa de banho à espera que a chuva abrandasse. Depois lá saquei dos apetrechos indispensáveis ao almoço e preparei o meu repasto. Mesmo ao meu lado estava uma caravana estacionada. Uma cabeça masculina emergiu, esticou-se na minha direcção e ofereceu-me um café. Claro que não me fiz rogado…só o facto de estar quente já o tornava divinal. No fim ainda me ofereceram uma barra energética…a família, especialmente o filho jovem, estava eufórica porque tinham nascido dois labradores durante a viagem de férias – ainda tinham os olhos fechados, como pude comprovar.
Prossegui sob nuvens carregadas entremeadas com alguns raios de sol que, quando duravam uns minutos, faziam brotar da estrada ondas de nevoeiro, no efeito divertido. Procurava um sítio para acampar – já sabia que tinha de ser campismo selvagem, pois não havia qualquer parque nas imediações… e de repente, um furo na roda de trás. Nem queria acreditar…fim do dia, ameaça de chuva, frio, as coisas molhadas e um furo… Bem, não vale a pena queixar-me. Furos é o melhor que posso esperar e é bom contar com umas dezenas. Desmontar a tralha toda da Dempster, e trocar de câmara-de-ar, que tinha um lanho! Reparei que o pneu já estava a ficar gasto e achei por bem trocá-lo também – até porque ficava mais leve.
Meia dúzia de quilómetros depois, agora sem conta-quilómetros, pois na anterior operação mecânica danifiquei de vez o fio, havia uma sinalização para o Ancien Ceder Forest. E foi para aí que me dirigi. Tinha toilette e mesa de pic-nic, era o local possível…
Estava com o “tacho ao lume” e lá vem mais uma carga de água! Foi recolher tudo a correr e esperar que a massa completasse a cozedura na água fervente. A assim foi: massa “al dente” e só queria deixar que o dia se esvaísse noite fora…
E um novo dia lá vem…mas mais para a tardinha
O dia acordou com a mesma cara com que se deitou, o que não era o mais simpático. A estrada era uma pequena clareira na floresta densa de ambos os lados da estrada. Com mais subidas que descidas, com o vento mais contra do que a favor. Não sei se pedalava dentro de nuvens, de nevoeiro ou ondas de evaporação. Não se via nada a mais de 200 metros, nem tanto. Não sei onde, mas “aprendi” que nevoeiro não dá em chuva, que manhã de nevoeiro resulta em tarde soalheira. E assim foi! Estava com cerca de 50 kms percorridos e o sol começa a espreitar timidamente. Uma coisa curiosa é que se há sol, a temperatura sob de imediato bastante. Mal desaparece por trás de alguma nuvem mais densa, e arrefece instantaneamente. Isto faz com que a temperatura do corpo a pedalar oscile imenso…e raramente tire o corta-vento e ande apenas em t-shirt ou camisa.
Uma placa indica Lasalle lake – recretional area. Uma descida, curta mas acentuada, e surge num sorriso o lago espelhado de verde, abrigado, em silêncio absoluto. As indispensáveis mesas de pic-nic privilegiadamente colocadas no bordejo da água, a toilette e o depósito do lixo. Não imagino melhor local para almoçar…desfrutei daquela beleza com um sorriso de prazer, vaidade e…egoísmo.
Pedalei duramente durante a tarde. Tinha de chegar a McBride, mas o vento forte e constantemente de frente era um adversário físico e psicológico temível. Quem anda de bicicleta sabe do que falo…mas mais uma vez é preciso entrar no jogo com ar arrogante, mesmo que o coração esteja pequenino e amedrontado. Os kms foram ficando para trás, um de cada vez, é certo, e não aos cinco, como acontece quando o relevo e vento são favoráveis.
A paisagem começa a mudar de novo. As montanhas regressam, cada vez mais imponentes e agressivas. As montanhas são o abrigo dos deuses e a sua criação. As montanhas chamam por nós, pelos nossos passos. As montanhas escondem o que se esconde para lá das montanhas e por isso aguçam a curiosidade e desafiam-nos. As montanhas têm sempre mais um “degrau” para subir e enquanto esse degrau não for subido, não conheces o segredo da montanha. O seu segredo só é desvendado quando se atinge o topo. É por isso que gosto das montanhas. Porque são misteriosas, reservadas e agressivas até ao último degrau. E depois submetem-se a teus pés!
Vinte kms antes de McBride deslizo suavemente em descidas contínuas pelo vale cavado, primeiro fechado nas montanhas, depois abrindo-se suavemente para uma planície verdejante.
A povoação parece simpática e alegre naquele cenário de montanha e planície. Há cavalos e vacas a pastarem, rolos gigantes de forragem espalhados pelo campo, máquinas agrícolas em movimento. As pessoas com que me cruzo acenam. Sinto-me de regresso ao local de onde não cheguei a sair, apesar dos 700 kms percorridos na longa Yellowhead.
Tenho de referir o parque de campismo em que pernoitei: o Beaverview. Uma vista deslumbrante para as Cariboo Mountains, um relvado fabuloso por onde se estendiam as tendas (apenas a minha, aliás!!), os habituais lavabos impecáveis, internet wireless na própria tenda! e a simpatia da dona e recepcionista…
O sol trouxe as montanhas de volta e, com eles, a poesia desceu ao homem
Com o Mont Robson por meta, e a cerca de 100 kms, um amanhecer de ouro e azul e o parque de campismo a convidar a ficar, fui deixando a manhã avançar pé-ante-pé. Fiz tudo devagar, propositadamente devagar, gostosamente devagar, saboreando os momentos que se arrastavam preguiçosos – eles ou eu, ou ambos. E quando parti, também o fiz devagar, por uma estrada rural que vai aos Ss, beijando ora o rio Fraser, ora a Yellowhead, nunca esquecendo os acessos às casas e quintas (ranchos, como cá se chamam) que se vão sucedendo em recantos misteriosos, por trás de sebes de enormes pinheiros verdejantes. Uma tranquilidade absoluta. Um convite constante à observação, à contemplação, à preguiça, ao estar.
Foi assim até Dunster. Aí ainda equacionei deixar a Yellowhead e seguir a estrada rural paralela, mas do outro lado do Fraser, junto à linha do comboio. Algo me chamava para lá e para lá me direccionei, mas por azar estava em obras e eram só camiões de brita a passarem.
Com o passar dos kms, o regresso do silêncio, a força da paisagem, o peso da montanha e a aproximação ao Mont Robson sinto-me ser transportado de novo para outra dimensão. Sinto a paz, a tranquilidade, a liberdade invadirem-me e expandirem-se em mim. Eliminando todos os sintomas de fadiga, de rotina, de ausência. Sinto-me regressar. Sinto a energia em cada poro. Tenho um novo olhar, uma nova alma.
Chego a Tête Jaune Cache, onde a estrada 5, vinda do sul e de Vancouver, se extingue e se funde com a Yellowhead. Sinto aquele ponto como um algo metafísico. Para mim, aquela é a porta de entrada nas Rocky Mountains canadianas, apesar de saber que as Rockyes são minhas companheiras de viagem há muitos kms, muitos dias, com outros nomes, mas a mesma alma, a mesma espinha dorsal a mesma força e imponência.
E começa a surgir na estrada uma sinalética nova que inicialmente me assusta: são as segundas vias no mesmo sentido, com vários kms de comprimento. São indício de subidas com o mesmo tamanho: 5 kms; 3 kms; 2,7kms. Até ao Mont Terry Fox Provincial Park, foi sempre a subir…10 kms? Talvez mais…
Terry Fox merece um parêntesis (desculpem, mas sabem que para além da bicicleta, o atletismo é-me cada vez mais querido…). In brief, como se diz por cá, o Terry tinha apenas 18 anos quando lhe diagnosticaram cancro nos ossos, sendo-lhe amputada a perna direita. Em 1980, com uma perna artificial, iniciou a travessia do Canadá, que designou de “maratona da esperança”. O objectivo era angariar fundos para a investigação e combate ao cancro. Corria cerca de 42 kms por dia (uma maratona), tendo percorrido o Quebec e Ontário. 143 dias depois de ter começado e 5373 kms percorridos, teve de parar, pois o cancro surgiu noutra parte do corpo. Morreu com 22 anos…mas nunca deve ter estado mais vivo que hoje, pois corrida Terry Fox realiza-se em 53 países, incluindo Portugal, tendo como objectivo a recolha de fundos para a investigação e combate ao cancro…
O Mont Robson, o pico mais elevado das Rocky canadianas, tem 3954 metros. O Mont Robson Provincial Park é património da Unesco. E ao longo do Berg trail, de que percorri apenas os primeiros 7 kms, apeteceu-me gritar à Mãe Natureza como a amava e como lhe estava grato pelo seu génio e generosidade. Por me permitir aqueles momentos, aquela beleza e aquela emoção.
Apeteceu-me pensar que se tivesse um local assim, só para mim, lhe proporia casamento para toda a vida e prometeria amá-lo cada dia e cada hora…apeteceu-me ser romântico e simples e apaixonado pela vida e, acima de tudo, pela natureza. Apeteceu-me deitar-me ali e rebolar-me ao longo daquele trilho, ora fofo ora pedregoso, colar-me àqueles cedros centenários e majestosos e abraçar neles a natureza toda, lançar-me nas águas geladas e azuis, ou verdes, ou brancas, ou todas as cores e sem cor, e sentir o milhão de lâminas picarem-me cada célula do corpo até deixar de sentir a dor do gelo, e olhar aqueles montes e aquele lago onde se miram, vaidosos e imponentes, e roubar-lhes a alma. E depois voltei, sabendo que não tinha satisfeito nenhum dos meus desejos infantis. Voltei com a certeza de que ali permanecerei para sempre.
Olá Jasper, dos lagos de todos os verdes, dos verdes de todas as cores, dos montes de todos os tons, relevos e texturas, dos recantos de todos os silêncios, da beleza que, de tão bela, questiona a própria beleza.
Hoje nem sei se havia subidas ou descidas. Parece-me estranho que, estando em pleno coração nas Montanhas Rochosas, não tenha de subir. Parece-me estranho que, não estando muito calor, me apeteça despir. Parece-me estranho que, não sentindo qualquer cansaço, transpire em abundância, a ponto de me correr o suor pelas lentes dos óculos de sol. Parece-me que há algo errado, ou comigo ou em meu redor. Olho com atenção se trago toda a bagagem na bicicleta, pois parece-me leve como uma pena. Olho para as pernas e para o tronco e confirmo que não cresceram de ontem para hoje. Então porque será que me sinto flutuar, pairar na estrada, assobiar e cantarolar!? Só pode ser magia. Magia que emana da natureza ao meu redor e que decidiu acolher-me e proteger-me. Paro constantemente para tirara fotos e depois apago-as porque sei que são impuras e imperfeitas – uma aberração, uma ofensa: a alma não se captura. E então decido não tirar mais fotos hoje…Excepto quando não conseguir resistir!! Só ao lago Moose, e no máximo 50! E ao lago Lucerne, e só uma. E ao lago Yellowhead (sim não é só a estrada que tem esse nome…), e poucas, e aos outros cujo nome vou omitir para não ofender nenhum esquecido. E aos picos dos montes que se sucedem: todos com nome próprio, todos muito acima dos 2500 metros, todos a disputarem o céu às nuvens e às aves. Todos a olharem do alto para uma miniatura silenciosa que se move suave e lentamente, em êxtase… era eu e a Dampster, que está tão silenciosa e cooperante, apesar de mais um furo hoje. Anunciou-o timidamente, quando acordei de uma soneca no lago Lucerna e me preparava para os últimos 35 kms até Jasper…onde chegámos ao anoitecer e com mais um fuso horário: e vão 3.
As fotos vêm na próxima sessão...
Este blog não é de receitas (nem despesas). Pelo menos não culinárias... Pretende ser uma janela por onde espreito os meus amigos, de onde lhes acenarei e por onde vos deixarei entrar nos meus dias.
sexta-feira, 27 de agosto de 2010
segunda-feira, 23 de agosto de 2010
Só um olá
Como no anterior post me despedi com um "até Prince George". E com Prince George já ficou para trás há 2 dias e não disse nada, esta mensagem é só um aceno aos meus amigos, para lhes dizer que está tudo bem e que me aproximo de Jasper (dentro de 2 dias?). Alé do mais, a Yellowhead Highway não tem tido motivos de interesse, pelo que não merece relato...esperemos por Jasper e Banff.
Bjs e Abraços
if
Bjs e Abraços
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quarta-feira, 18 de agosto de 2010
Cassiar Hwy - A primavera das estradas
Introdução
A miúda de lingerie não é para partilhar... Luís Hilário, não esqueci que nos havemos de encontrar algures para umas bjecas...manda-me um mail (ou o teu mail). Era fixe se fizéssemos algo em conjunto...
Serra, vê lá se vens á Jamaica e nos encontramos. Os outros estão todos convidados, claro. Tem sido difícil responder aos mails e mensagens queridas que têm posto no blog. Obrigado a todos. É porreiro receber feedback e comentários e recordar que continuam aí a olhar para cá...eu também olho para vós... Se não respondo ou contra-comento, não é por menosprezo - longe disso! É mesmo dificuldade em gerir o pouco tempo que passo em sítios com net...hoje, por exemplo, estou há 3 horas numa biblioteca para compor este post, responder a alguns mails, organizar fotos. Vida dura.
Grande abraço e beijos.
Cassiar Highway
11 de Agosto, o fogo engoliu a estrada…
Esta noite foi mal dormida. Ontem, ao sair da biblioteca, deparei-me com um cheiro terrível a fumo e fogo, o céu totalmente fechado pelas nuvens de fumo, sem sol, sem luz. Enfim, o cenário tenebroso e que me escureceu o espírito. Já sabia que há duas semanas havia fogo na Cassiar Hwy, mas há pouco quando passei no respectivo entroncamento, e mesmo durante o resto da tarde, aqui em Dawson, fiquei com a sensação que já deveria estar em fase de rescaldo, pois o céu era límpido e azul a sul…
Foi por isso que passei a noite em sobressalto…Como será amanhã? Estará totalmente fechada? Novos focos de incêndio? Devo prosseguir pela Alaska Hwy?
Como tinha de comprar gás e a loja só abria às 8h30, fiquei na sorna, a ver a luz do dia entrar de mansinho pela janela do quarto.
Pouco depois das 8h30 fazia-me aos 22 kms que me separavam do ramal com a Cassiar. Já sabia que o percurso ia ser difícil, especialmente pelo vento contra. Pedalei devagar e ao chegar ao destino da manhã, vejo uma fila infernal. Auto-caravanas, camiões, carros, pick-ups, motas e, no primeiro lugar da fila, o Jonh – o Américas! Lá estava ele inconfundível na sua barba ruiva e equipamento predominantemente em tons de laranja.
Tomei um café para aquecer primordialmente o espírito, embora estivesse frio àquela hora. Contrariamente ao cenário de ontem à tarde, o céu estava claro e não havia sinais significativos de fumo ou cheiro a fogo. Havia uma placa de sinalização dizendo que por causa dos incêndios o trânsito estava condicionado, mas nada mais. Era esperar... aproximei-me da “linha da frente”, encostei a bike no local possível, saco dos mapas, agenda, esferográfica e começo a elaborar umas notas. Nem meia hora tinha decorrido e há agitação na fila. Estava a chegar o primeiro “comboio” de veículos em sentido contrário ao nosso! Isso significava que a seguir iríamos nós. A minha expectativa era que alguém se condoesse e me oferecesse boleia, pois sabia que não deixavam circular bicicletas até passar a zona do incêndio. Nem foi preciso levantar o traseiro da pedra onde estava sentado. Apareceu uma mulher forte, como quase todas, jovem, com um ar de generala, muito dinâmica, com colete florescente, e diz-me para trazer a bicicleta para a carrinha dela, desmontar os sacos, por a bike na carroçaria e os alforges no banco de trás. O que teve piada, é que o Américas veio logo ter com ela, a esbracejar, dizendo que estava na mesma situação. Ela diz-lhe que só pode transportar um, para ele se dirigir à outra carrinha do controle de tráfego…deve ter engraçado comigo a rapariga, pois o gajo estava mesmo em primeiro na fila, com o aparato todo da bike, mas foi comigo que ela foi ter, chamar-me e até ajudou a pôr os alforges. Na verdade são muito simpáticos, profissionais e acima de tudo prestáveis.
A Dona – assim se chamava – é que comandava o “comboio”. Eram 84 veículos em fila, a atravessar uma zona devastada pelo incêndio que lavrou 14 dias. Desolador, o cheiro sobretudo.
Mas também a cor, as fumarolas, os pinheiros calcinados, uns de pé outros tombados, as cinzas. Mas sobretudo o cheiro…
Foram trinta e cinco kms de borla, pela Cassiar. Depois foi deixar passar o trânsito todo e pedalar no silêncio, por uma paisagem cada vez mais intimista. O vale por onde a estrada serpenteia é fechado, cavado entre montes não muito altos, densamente florestados. Pássaros cruzam a estrada em alvoroço, com a tranquilidade interrompida, dois caribous fogem aos saltos, desaparecendo na floresta, perdizes atravessam a estrada a correr.
Surge o French Creek, um ribeiro de águas verdes que atravessa a estrada. Poucos metros depois surge uma placa discreta, do lado esquerdo da estrada, indicando uma área de lazer/pic-nic. Volto atrás e enfio-me pelo meio da sobra dos pinheiros. Deparo-me com uma clareira de relva verde, várias mesas e duas toilettes, mesmo frente a ao French Creek, que aqui faz uma espécie de lago de águas verdes. Foi uma oportunidade que não perdi. Um almoço e um repouso capazes de devolverem a alma a um tronco queimado.
Continuei pela mesma paisagem e o mesmo silêncio. Daí a pouco paro para tirar mais uma foto e, ao arrancar, olho ocasionalmente para trás e lá vem o Américas. De tronco nu e a pedalar forte. Espero por ele e prosseguimos juntos alguns quilómetros a conversar. Mas definitivamente não quero ir ao ritmo de ninguém, quero ir ao meu ritmo. Não quero ir a fazer conversa com ninguém, quero o meu silêncio de volta. Não quero que me digam para onde olhar ou o que ver, quero olhar e descobrir o que o meu olhar descobrir.
Por isso despedimo-nos e ele já foi a 100 à hora…
Pouco depois surge a indicação do Boya lake e campground. Fica a 2 kms da estrada, ainda é cedo e quero fazer mais uma dúzia de quilómetros. Mas também não quero perder a oportunidade de ver o que é que o Boya lake tem para oferecer…Dirijo-mne para lá. São 2 kms a descer, por vezes acentuadamente, pelo que pagarei o preço no regresso…mas há preços que vale a pena pagar – e é para isso que aqui estou, para pagar o preço que for necessário para gozar a liberdade e cada momento. E o Boya lake não me desiludiu – foi até barato. Surge ao fundo de uma descida mais acentuada, escondido pelos pinheiros em todo o perímetro, com uma cadeia de montanhas ao fundo. Mas a água, a cor, ou melhor, as cores e os tons da água é que amarram a vista como a âncora do navio. São transparentes na beirinha, esmeralda a seguir, segue-se o sulfato de cobre e acabam no azul profundo do céu.
Dei a volta ao parque, percorri toda estrada, todos os lugares para acampar. Cheguei ao fim e como havia um percurso pedestre de 1,5 kms, encostei a bicla e fui caminhar – sabe bem caminhar depois de várias horas sentado a pedalar…
Muitas fotos… cada ângulo, cada recanto, cada reentrância, cada perspectiva são uma tentação para o dedo…mas é impossível captar esta sensação, este colorido, este silencia, esta êxtase…
Decido não acampar aqui. Seria delicioso acordar de caras com o lago, mas quero avançar mais uns kms hoje. Good Hpe lake deve distar dez ou quinze quilómetros e embora não tenha campismo, devo descobrir um belo recanto para pernoitar.
Agora o vale fecha totalmente, as montanhas crescem por todos os lados e parece não haver saída. O vento sopra forte e desfavorável. Mas está em desvantagem, pois o prazer está comigo…Primeiro surge o Mud lake, logo depois o Aeroplane lake e, finalmente, o Good Hope lake, seguido da “povoação” com o mesmo nome. Infelizmente feia, com muitos carros velhos amontoados. Felizmente é pequena e discreta…
E para acabar, é isso mesmo, logo após a povoação, onde termina também o lago, há um desvio para a esquerda.
É para lá que me dirijo. Rapidamente deixo esse desvio e infiltro-me na mata. Encontro o local sonhado mesmo “com os pés na água”. E o musgo abundante tornará a cama ainda mais macia...
Dia dos lagos, das montanhas e do silêncio
Jade City, Long lake, Twin lake, Simon lake, cotton lake, Elwod lake, Dease river, Dease lake, mais todos os anónimos que nem por isso são menos merecedores de surgirem no catálogo da Cassiari Hwy…
Hoje as fotos que tirei (ainda não sei quantas foram) falariam por si. Não por serem belas ou bem tiradas, mas a quantidade diria do entusiasmo que sentia ao virar de cada curva da estrada…
Os primeiros 20 kms foram duros, frios, predominantemente a subir e com vento contra. Parecia que ia ser um dia sofrido. Em Jade City, pouco mais que uma casa à beira da estrada que, fazendo jus ao nome do ponto que aparece apenas em alguns mapas, vende essencialmente objectos de adorno em jade, já se vê. A casa é grande e acolhedora, com muita luz e está repleta, sem ser claustrofóbica de objectos em jade. Brincos, anéis, os mais diversos animais, relógios, fios, colares, etc., a colecção parece interminável… Por mim, entrei mais interessado em comida e bebida. Atendeu-me uma miúda sorridente, que me perguntou de onde vinha. Quando lhe disse “de Inuvik”, logo ela completou: ah, com destino à Patagónia…parece que a malta que por aqui passa com partida de Inuvik, tem por destino a Patagónia. Perguntei-lhe se já lá tinha passado algum português, ao que me respondeu “não que me recorde”. Depois fiquei a saber que normalmente pensam fazer o percurso em 18 meses, o que é lógico, quanto mais não seja por causa das estações do ano. Também me disse que este ano só tinham passado 2 ou 3… Comprei uma espécie de batatas fritas com sabor a queijo, uma coca-cola (para levar) e um café com leite, que repeti (self-service de borla).
Continuei a pedalar e pouco depois surgiu uma série interminável de lagos, de um e outro lado da estrada, rodeados invariavelmente por pinheiros altos e verdejantes e por consecutivas cadeias montanhosas, fechadas e contorcidas formando um contínuo labirinto de onde parecia não haver saída. O sol raiava e já aquecia, especialmente nas subidas. Precisava sentir todo aquele silêncio, absorver toda aquela harmonia selvagem, grandiosa, esmagadora da pequenez humana. Tirei os óculos de sol, o capacete e mesmo a camisa. Queria estar totalmente desperto. Ver, cheirar, ouvir, sentir tudo sem barreiras, sem interferências. De quando em vez dava por mim a sorrir de alegria por estar ali, pertencer àquela paisagem naquele momento, por efémero que fosse. Queria guardar tudo eternamente em todos os sentidos. Apetecia-me parar, sentar-me e ficar indefinidamente em cada curva da estrada, em cada recanto que surgia ao meu olhar…Hoje estava a ser uma autêntica bebedeira para os sentidos e não eram tanto os lagos e as suas cores assombrosas. É a montanha que esmaga, com a sua imponência…Houve um momento em que parei na estrada para tirar uma foto. Olhei para trás (raramente olho para trás) e quase me apeteceu voltar para trás e repetir de novo. Enfim, quem sabe, faço isso quando a estrada acabar!!
A segunda metade do dia foi menos excitante. Era impossível manter a adrenalina e o encanto da manhã o dia todo. Após o Dease river a paisagem abriu, as montanhas diminuíram e afastaram-se, a estrada ficou mais suave e até o vento amainou. Passei a pedalar mais depressa e passei a achar possível chegar a Dease lake, acampando por aí…Seriam 140 kms, mas possíveis. O Dease lake lá surgiu: são cerca de 40 kms de extensão e é bastante largo. É demasiado grande para a minha lente, limitei-me a pedalar lado a lado. Aos 120 kms da jornada, surgiu uma subida de para aí 3 kms. Foi a primeira vez que senti o suor escorrer pelo rosto e pingar mesmo no nariz…também foi por essa altura que senti umas leves picadas no joelho esquerdo…acho que está a protestar…tenho de lhe dar mais atenção.
Cheguei á povoação de Dease lake, que fica numa ponta do lago, abasteci poucas coisas e procurei um local para acampar o mais perto possível. Surgiu cerca
de 5 kms depois, um caminho que levava a uma casa abandonada, mesmo junto ao rio. Como as portas e janelas estavam fechadas, armei a barraca no alpendre…tomei banho e
lavei a roupa no rio e comi framboesas do quintal…Ah!
e ultrapassei hoje os 2000 kms
De Dease lake a Iskut/tatogga lake
Apesar do céu completamente límpido e o sol já despontar, a temperatura está baixa e tenho de sair com o corta-vento vestido. Os primeiros 11 kms são sempre a subir…duros e demoro quase 1h15 minutos a percorrê-los, não tenho olhos, nem cabeça, nem alma para mais nada, só para o asfalto. Também é verdade que quando espalho o olhar, a paisagem não o prende…lá no topo aparece a indicação de Gnat pass sumit – 1241 metros. Agora conto que os próximos kms sejam a recuperar.
Pouco depois surge a recompensa: o Low Gnat lake, um lago que se estende pelo planalto, no sopé da montanha, com vários canais de erva verde e ainda uma pequena língua de terra branca – parece quase areia visto da margem. No lago passeiam patos. Outros estão imóveis na língua de areia. As cores são fortes, mesmo as das flores vermelhas que crescem anarquicamente nas bermas das estradas. Fico ali a repousar, a respirar, a reclamar a minha recompensa pelo “trabalho” já feito…
Continuo, passo pelo Uper Gnat lake e pouco depois pára no fim da descida um carro umas centenas de metros à minha frente. Adivinho facilmente ao que vai…o tipo sai do carro com máquina fotográfica em riste e começa a tirar-me fotos. Paro ao pé dele e diz-me com ar encantado e pronúncia alemã: é fantástico assim nesta imensidão da estrada e da paisagem uma pessoa de bicicleta…é tão contrastante… sem que lho sugerisse, pediu-me o mail e disse-me que me enviaria fotos.
Até ao Stikin river, não houve mais nada digno de nota, mas a meio da descida de 6 kms, com 7% de incinação, surge uma vista fabulosa do rio, correndo minúsculo esmagado pela imponência das montanhas que o rodeiam…pena a luz estar muito baça…Após a ponte há um pequeno retiro com toilette e uns painéis de informação. Tenho quase 50 kms, a sombra é óptima (o calor aperta) e é ali que almoço. O musgo é tão fofo que me estendo e só não adormeço por causa das moscas e principalmente os mosquitos.
Retomo a jornada e, está-se mesmo a ver, não é!? Uma subida daquelas de cortar a respiração…ainda por cima boa parte em “lose gravel” – ou rípio para os chilenos, não é Serra? Foram 7 kms, com inclinações de 8%, como se pode provar pela legenda…
Bom, a paisagem só voltou a arrepiar com a aproximação a Iskut. Regressaram as montanhas de contornos firmes e agressivos, perfurando as escassas nuvens com agressividade. Estendem-se por todo o lado e confundem o olhar e os sentidos. Iskut é pouco mais que uma placa com o nome, uma bomba de combustível e respectiva mercearia. Parei aí e embora ande sobrecarregado com comida, não deixei de reforçar a despensa. Aliás, até fiz uma asneira…na secção do leite, compro um litro com chocolate – era o último e mais dois ½ litros.
Compras feitas, sento-me na mesa exterior e emborco de um trago uma embalegem de meio litro, mas quando termino, o sabor não era o que esperava…olho melhor e eram natas!! Bem, já estava feito. Fui trocar a outra embalagem e a senhora ficou a olhar para mim com ar desconfiado: este deve ser tó-tó.
A seguir a Iskut estende-se um lago enorme que creio ter o mesmo nome. É fantástico este vale cerrado, cavado em montanhas enormes, áridas, de contornos agressivos e depois com o lago tão tranquilo, tão verdejante, espelhando toda a natureza que o rodeia. Pedalei devagar pela estrada em carrossel que troteia ao longo da margem…Surge ainda o lago Tatoggo e a partir daí, já com quase 100 kms feitos, começo à procura de um local para acampar. Acabou por surgir pouco depois, junto a um ribeiro. É quase sempre assim…há um lago ou ribeiro tranquilos nas imediações da estrada e é aí que armo a barraca, tomo o meu banho, preparo a jantarada e fico com vontade de verter para o papel o que recordo do dia…
De tanto ver, cheirar e sentir, o meu coração transborda
O Kinaskan lake anuncia-se suavemente na paisagem. Estende-se azul e tranquilo aos pés da montanha majestosa, ainda pintalgada pelos restos da neve que resistem ao sol. Pouco depois surge a indicação do Kinaskan Campground. Claro que eu não estava a pensar acampar nem pescar. Mas a curiosidade, a procura de alguma vista soberba sobre o lago e a montanha ou mesmo só a água fresca com que substituiria a que transportava, eram razões mais que suficientes para uma paragem.
Dirigi-me para a bomba de extracção de água, mesmo junto ao sítio nº 14, onde estava uma caravana e várias tendas. Dava à bomba, que fazia uma chiadeira metálica inapropriada para o local, quando uma jovem mulher com ar simpático e fresco, sorriso rasgado e olhar luminoso, me cumprimentou. Retribui com a minha maior simpatia e delicadeza e trinta segundos depois estava a ser convidado pela Wendy para tomar o pequeno-almoço com eles. Antes de eu dizer o que fosse, ainda meio embaraçado, e já ela concluía: vamos embora hoje, é o nosso último pequeno-almoço e temos imensa comida. Não podia recusar àquele olhar. A mesa estava de facto repleta! Antes de mais apresentou-me o Bob, presumo que marido, do Quebec (ela da da British Columbia), que logo me “apresentou” a bicicleta dele. É de estrada, uma Giant amarela, muito bem equipada e que pesa cerca de 8 kg! Trouxe-a para dar umas voltas, pois estavam ali acampados há uma semana – como fazem quase todos os anos – mas o piso este ano está bera, pelo que não andou. Faz ciclismo por lazer mas já participou em três provas este ano…Fizemos um brinde os dois com sumo de laranja natural.
Sentámo-nos para o pequeno-almoço e á mesa estava ainda o Matt e a Tany, dois jovens de menos de 30 anos. Fez-se silêncio, baixaram os olhos e o Bob agradeceu a Deus a comida, o dia, e o amigo português que se lhes juntou. Pediu a protecção e ajuda Dele para a viajem que ia fazer. E todos dissemos Ámen e começámos a atacar os ovos estrelados, o bacon, várias torradas, mais 2 copos de sumo de laranja, um iogurte e um café acabado de fazer pelo David, marido da Louise, e também amigo do grupo.
Ainda estava sentado à mesa a conversar como se de velhos amigos se tratasse e já a Wendy vinha com um cesto de fruta para eu levar! Nectarinas, laranjas, peras e mais uma caixa enorme de Blueberries. Estão mesmo a ver! Nem conseguia reagir…parecia a minha mãe a querer mandar-me tudo o que tem em casa, quando lá vou…Expliquei que não tinha espaço, que eram extraordinariamente simpáticos, mas não podia levar… Aceitei uma nectarina, deliciosa por sinal e disse que levava umas blueberries. O problema era onde. Bem, estava eu a sugerir o copo vazio do iogurte quando a Tany se levanta e me trás uma embalagem mais pequena (½ kg, para aí). Entretanto já quer o Matt quer o Bob tinham ido experimentar a minha bike pelo parque. Pareciam não acreditar que era possível transportar aquilo tudo…e o David contava-me entusiasmado que tinha conhecido uma alemã na Austrália, para aí há 30 anos (ele já anda nos sessenta e muitos), que já tinha feito a Nova Zelândia. Encontrou no deserto, para aí com 40 graus e um pneu rebentado. Quis dar-lhe boleia para a cidade mais próxima mas ela recusou: havia de se desenrascar…
Despedi-me com emoção do grupo e espero que o meu inglês tenha sido suficiente para lhes mostrar a minha gratidão e reconhecimento.
Durante muitos kms revivi aqueles momentos. Creio que não os esquecerei nunca…
Mas a jornada estava longe de estar terminada. A paisagem volta a dominar tudo. As montanhas, primeiro longínquas, com neve no topo, vão-se aproximando com o decorrer dos kms, vão mergulhando sobre a estrada, que é predominantemente a descer, vão-se fechando sobre mim. Parece que estou a entrar num caminho sem saída e sem retorno. Procuro quebrar a solidão do silêncio, trauteando as músicas que me vêm à memória. Mas é impossível. O silêncio é sempre mais forte, é intocável, intangível, invisível mas inescapável.
E de repente salta um urso preto da berma para o meio da floresta. Só o vejo de relance. Fico desesperado…mas 200 metros à frente, no fim da descida, está uma carrinha parada. Olho com mais atenção e está lá outro urso!! Tiro logo uma foto dali, vão vá escapar-me mais este, e começo a descer lentamente, não sem antes trocar nervosamente a lente da máquina para outra mais potente! Aproximo-me e o urso atravessa a estrada. Disparo de rajada…chega-se ao carro, cheira, e eu aproximo-me e continuo a disparar. Olha para mim, ainda estou a uns bons 30 metros mas penso no repelente anti-urso que está no alforge. Preparo-o e continuo a avançar de máquina em punho. Ele volta-se, desinteressa-se do carro e de mim, atravessa a estrada e pouco depois desaparece na floresta! Chego-me aos tipos do carro, dois jovens que têm como profissão vigilantes – da natureza, dos incêndios, das estradas, tudo.
Prossigo e ainda retenho mais um troço fabuloso de paisagem, ao longo do rio Ningunsaw. Ali é que parece mesmo que não há saída, que tenho de dar meia volta ou escalar as montanhas, mas claro que há…e a cada curva apetece-me tirar mais uma
foto…confirma-se que a jornada hoje foi fácil e a descer: aparece uma placa que diz: Ningunsaw Summit 466 m. Claro, ontem no Gnat summit estava a 1421 m…vamos ver quando for a subir para Jasper e Baff…
Black Bears
Nunca me tinha sentido assim atacado por um exército de moscas e mosquitos. Nem tomei o pequeno-almoço, apenas comi uma banana. Queria ver-me longe daquele local…
A estrada levava-me pela frescura da manhã. Uma pequena clareira na vegetação densa e um lago de patos nadando meio encolhidos. Tirei uma foto à montanha espelhada no lago e prossegui. Pouco depois surge uma “rest área”, também ela à beira de um lago, pois claro e tomei aí verdadeiramente o pequeno-almoço. Entre outras coisas, ataquei as blackbarries…
Com 17 kms percorridos surge Bell II, uma das tais zonas de repouso e abastecimento. Neste caso tinha parque de campismo, mas disso estava eu servido. Dirigi-me ao café, de interior ameno e maneirinho. O menu foi-me prontamente apresentado pela empregada solícita. Dei uma vista de olhos mas fiquei-me por um chocolate quente e um bolo. Os pequenos-almoços eram promissores mas tinha comido há pouco pelo que guardei os 10$ para depois.
Ás 10h já pedalava de tronco nu… o calor não era excessivo mas sabia bem pedalar assim. A estrada descia com suavidade mas quase continuamente, pelo que a média rondava os 19 kms. Só pensava quando chegaria a factura…Certo é que só parei para almoçar com 78 kms feitos. Acho que foi o meu recorde numa manhã – salvo seja, pois eram cerca de 14h…
Deslizava tranquilo quando um urso atravessa a estrada a correr, para aí vinte metros à minha frente, e se refugia na floresta. E este parecia ser dos grandes…mais uma oportunidade perdida!!
Mas felizmente hoje os ursos estavam do meu lado. Pouco depois, desta vez atempadamente vejam umas manchas negras lá bem adiante, na berma da estrada e nem queria acreditar: a serem ursos, eram vários… troco de imediato a objectiva e já não tinha dúvidas eram três – mãe e dois filhotes juvenis. Vou-me aproximando com todo o cuidado, máquina empunhada numa mão, guiador na outra e a deslizar o mais cuidadosa e silenciosamente possível. A mãe interrompeu a refeição, virou-se para mim, fez uma pausa e atravessou a estrada, ficando parada à espera dos filhotes que continuavam distraidamente a comer. Emitiu um ligeiro som a chamá-los e um respondeu de imediato juntando-se a ela. O outro continuava a comer (e eu a aproximar-me e sempre a disparar). A esta altura já estava próximo e ela encarava-me com atenção. Então tirei o repelente do alforge para o que desse e viesse e continuei a aproximar-me. Emitiu novo som impaciente e o outro júnior deu uma corrida, atravessou a estrada e desapareceram os três na floresta…
Estava ganho o dia se mais não houvesse para contar.
Tinha como objectivo chegar a Meziadine lake e acampar aí, desta vez num parque oficial. Chegado ao entroncamento da Cassiar com a 37ª, confirmei o que suspeitava: não existe nada aqui, Uns barracões e bomba de combustível desactivados. Nem hesitei…dirigi-me para o parque de campismo, por sinal perto da estrada. É muito pequeno, com as caravanas e os lugares para acampar muito próximos, praticamente cheio. Apesar de tudo, lá arranjei um sítio razoável e fui para o lago tomar uma banhoca (com shampoo e gel). E foi na água que travei conhecimento com a June, uma sexagenária com os olhos azuis da água do lago, o cabelo de neve das montanhas em frente e o sorriso melancólico e sereno do sol poente. Nasceu em Londres, veio fazer o mestrado para Vancouver há 45 anos e por cá ficou…está a viajar de férias com o filho Peter. Quando regressava à minha tenda, por casualidade ao lado da caravana deles, convidou-me para tomar algo com eles antes de jantar. Estou cada vez mais aberto e entusiasmado com conhecer e falar com as pessoas. Aceitei logo… e enquanto bebíamos a cerveja que me ofereceu, veio o convite para jantar, com toda a doçura. Aceitei também. Era massa com bolonhesa, uma salada e uma garrafa de tinto. A primeira palavra do jantar foi um brinde a…mim.
O jantar foi magnífico, repeti três vezes. É uma pessoa encantadora, que ama as montanhas (já esteve no campo base do Evareste), os rios (faz canoagem em autonomia, adora arte e história, pelo que vai à Europa com regularidade), mas volta sempre ao Canadá, à natureza que ama… Disse-me que o melhor momento da vida dela foi aquele anúncio em Londres que dizia “faz o master na British Columbia”…
E black bear
Hoje poupo-vos: há pouco para contar – ou então estou a perder a vontade de me confessar... O dia resume-se em três parágrafos – ou talvez mais.
Despedi-me nos meus amigos de Vancouver e a June pediu-me para tirar uma foto junto com o filho. Aproveitei e tirei também uma com ela. Com a mesma simpatia de ontem e o mesmo olhar, disse-me que se alguma vez passasse em Vancouver era convidado dela, pois tinham uma casa enorme.
A estrada, hoje mais do que em qualquer outro dia, era formidável para os meus amigos que pretensamente gostam de ciclar. Digo pretensamente porque a maioria deles o que gosta é de descer. E eu acho que quem gosta realmente de andar de bicicleta, gosta (também) de subir, de sentir as pernas a ganharem o ritmo e a imporem aquela cadência, o corpo a aquecer, a temperatura a subir, o suor a gotejar e a montanha cada vez mais ali ao nosso nível, a vergar-se à nossa vontade e determinação, ver os metros a passarem devagar mas inexoravelmente, sem retorno, e por fim ver o declive a diminuir, ver que não há mais para subir e que vencemos mais uma vez. Só quem retira prazer das subidas é que sabe o que é saborear uma vitória e só esses é que verdadeiramente gostam de ciclar… pois hoje não era dia para esses, era para todos os outros! O vento esteve sempre a soprar pelas costas e praticamente sempre a descer (o plano com vento favorável é descida, tal como com o vento contra se transforma em subida). Foi por isso que fiz 140 kms à média de 19,4 km/h…
Ainda assim consegui ver um urso preto não antes que me visse a mim, nem antes que se refugiasse na vegetação. Pareceu-me um grande urso preto, só. E por isso decidi fazer-lhe uma espera. Fiquei ali à coca e daí a alguns minutos vejo os arbustos agitarem-se com violência e ouço o barulho dele. Estava a poucos metros mas invisível. Esperei e fui brindado com um excelente momento, incluindo o gajo a babar-se e a fungar!! Foi uma série de fotos e adrenalina – por exemplo, esqueci-me completamente do repelente.
E os kms passavam tão depressa que se não me cuido ainda chegava hoje à patagónia, o que não dá jeito por não estar no contrato! A sério, já ia lançado para chegar a Kitwanga (faltavam 20 kms e pouco passava das 5 horas) quando vejo uma informação na estrada a dizer: Gitanyow aldeia histórica. Pressenti que era perto e dirigi-me para lá. A aldeia em si é feia como a generalidade: um conjunto de casas de um e outro lado da estrada, com telhados de metal e sem qualquer marca distintiva, nem sequer cuidadas (algum lixo e sujas). O interesse histórico advém dum vasto conjunto de tótemes dispostos numa vasta área frente ao museu (fechado). Como o rio passava ao lado de um parque de merendas rústico e havia um café mesmo nas imediações, decidi que era um bom sítio para acampar. Depois de fazer algumas compras, perguntei à empregada se podia acampar por ali. Acabei mais uma vez a lavar a roupa e tomar banho no rio...
Adeus Cassiar Hwy. Olá Yellowhead Hwy.
Com a maresia que caiu durante a noite, acordei com a tenda toda molhada por fora e com a roupa que lavei ontem mais molhada do que ao pendurá-la. Assim sendo, fui deixando o tempo correr, o sol erguer-se acima da montanha e esperar que pelo menos a tenda secasse.
Tomei um bom pequeno-almoço, com o café/shopp ali perto, está-se mesmo a ver que comi realmente que nem um alarve. Só leite, entre as 6h de ontem e as 9h da manhã, foram 3,5 litros…
Fiz-me aos 20 kms que faltavam para o fim da Cassiar mas como parti mais tarde e fui pedalando devagar, parando aqui e ali, apesar de não recordar grandes motivos de interesse, o certo é que só lá para as 11h30 é que cheguei ao fim da estrada, em Kitwanga, cujo único motivo de interesse que vislumbrei foi um “museu” ao ar livre dedicado a equipamentos agrícolas do início do século XX.
Os primeiros kms da Yellowhead são paralelos ao longo Skeena river, de águas cor de esmeralda. Do outro lado do rio estende-se a linha de comboio entre Prince Rupper e Prince George. É uma estrada completamente diferente das anteriores, com muito mais tráfego, bastantes camiões, com faixas separadas. Enfim, nota-se que estamos noutro registo…Mesmo sem a paisagem perder interesse, certo é que perdeu parte do encanto, aquele que só se sente no silêncio…Parei no Seely lake Campgrond, onde almocei junto ao lago. E enquanto preparava o meu repasto de sardinhas de conserva, pão, bolachas e passas de uva, chega uma família com as toalhas: iam tomar banho no lago (fazia parte do anúncio) e vejo o tipo de telemóvel na mão… lá está, mais um sinal de regresso à civilização – e tenho de reconhecer que lá testei o meu, que ainda tem a carga com que veio de Lisboa, há quase um mês, e funcionou… acabou-se a incomunicabilidade – salvo seja, que desliguei-o de seguida…
Depois do repasto, como estava um calor mesmo convidativo, decidi juntar-me aos poucos banhistas e também eu aproveitar o lago tranquilo – não tenho cá a Costa da Caparica mas também hei-de ter o meu banho de Agosto…Uma sesta na relva aquecida pelo sol e só bem mais tarde voltei à estrada…
A estrada prossegue com subidas e descidas, ainda que não acentuadas, mas hoje definitivamente não era um dia para correr…até porque andam para aqui uns joelhos a queixarem-se. Ainda não percebi se é bluff ou a sério, mas não quis forçar…Assim sendo, dobrados os 110 kms decidi rumar para o parque de campismo de Moricetown e mesmo na ponte à saída da estrada deparo-me com um casal de jovens suíços, o Lukas e a Rebecca, que iam para o parque também. Decidimos ir juntos e partilhar – ideia deles – o preço.
São muito simpáticos, vem do Alasca, onde começaram a pedalar há um mês e vão viajar de bicicleta 10 meses. Chegados ao parque, propuseram-me jantarmos juntos. Aceitei e logo começaram a preparar o jantar: massa com um guisado de vegetais. Parece que conheceram um casal de alemães que tiveram de interromper as férias. Como tinham montes de comida, deram-lhes alguma. E como agora vão de carro (amigos que já fizeram por cá…) para Jasper, não precisam deste tipo de comida nos próximos 5 dias…
Até Prince George.
A miúda de lingerie não é para partilhar... Luís Hilário, não esqueci que nos havemos de encontrar algures para umas bjecas...manda-me um mail (ou o teu mail). Era fixe se fizéssemos algo em conjunto...
Serra, vê lá se vens á Jamaica e nos encontramos. Os outros estão todos convidados, claro. Tem sido difícil responder aos mails e mensagens queridas que têm posto no blog. Obrigado a todos. É porreiro receber feedback e comentários e recordar que continuam aí a olhar para cá...eu também olho para vós... Se não respondo ou contra-comento, não é por menosprezo - longe disso! É mesmo dificuldade em gerir o pouco tempo que passo em sítios com net...hoje, por exemplo, estou há 3 horas numa biblioteca para compor este post, responder a alguns mails, organizar fotos. Vida dura.
Grande abraço e beijos.
Cassiar Highway
11 de Agosto, o fogo engoliu a estrada…
Esta noite foi mal dormida. Ontem, ao sair da biblioteca, deparei-me com um cheiro terrível a fumo e fogo, o céu totalmente fechado pelas nuvens de fumo, sem sol, sem luz. Enfim, o cenário tenebroso e que me escureceu o espírito. Já sabia que há duas semanas havia fogo na Cassiar Hwy, mas há pouco quando passei no respectivo entroncamento, e mesmo durante o resto da tarde, aqui em Dawson, fiquei com a sensação que já deveria estar em fase de rescaldo, pois o céu era límpido e azul a sul…
Foi por isso que passei a noite em sobressalto…Como será amanhã? Estará totalmente fechada? Novos focos de incêndio? Devo prosseguir pela Alaska Hwy?
Como tinha de comprar gás e a loja só abria às 8h30, fiquei na sorna, a ver a luz do dia entrar de mansinho pela janela do quarto.
Pouco depois das 8h30 fazia-me aos 22 kms que me separavam do ramal com a Cassiar. Já sabia que o percurso ia ser difícil, especialmente pelo vento contra. Pedalei devagar e ao chegar ao destino da manhã, vejo uma fila infernal. Auto-caravanas, camiões, carros, pick-ups, motas e, no primeiro lugar da fila, o Jonh – o Américas! Lá estava ele inconfundível na sua barba ruiva e equipamento predominantemente em tons de laranja.
Tomei um café para aquecer primordialmente o espírito, embora estivesse frio àquela hora. Contrariamente ao cenário de ontem à tarde, o céu estava claro e não havia sinais significativos de fumo ou cheiro a fogo. Havia uma placa de sinalização dizendo que por causa dos incêndios o trânsito estava condicionado, mas nada mais. Era esperar... aproximei-me da “linha da frente”, encostei a bike no local possível, saco dos mapas, agenda, esferográfica e começo a elaborar umas notas. Nem meia hora tinha decorrido e há agitação na fila. Estava a chegar o primeiro “comboio” de veículos em sentido contrário ao nosso! Isso significava que a seguir iríamos nós. A minha expectativa era que alguém se condoesse e me oferecesse boleia, pois sabia que não deixavam circular bicicletas até passar a zona do incêndio. Nem foi preciso levantar o traseiro da pedra onde estava sentado. Apareceu uma mulher forte, como quase todas, jovem, com um ar de generala, muito dinâmica, com colete florescente, e diz-me para trazer a bicicleta para a carrinha dela, desmontar os sacos, por a bike na carroçaria e os alforges no banco de trás. O que teve piada, é que o Américas veio logo ter com ela, a esbracejar, dizendo que estava na mesma situação. Ela diz-lhe que só pode transportar um, para ele se dirigir à outra carrinha do controle de tráfego…deve ter engraçado comigo a rapariga, pois o gajo estava mesmo em primeiro na fila, com o aparato todo da bike, mas foi comigo que ela foi ter, chamar-me e até ajudou a pôr os alforges. Na verdade são muito simpáticos, profissionais e acima de tudo prestáveis.
A Dona – assim se chamava – é que comandava o “comboio”. Eram 84 veículos em fila, a atravessar uma zona devastada pelo incêndio que lavrou 14 dias. Desolador, o cheiro sobretudo.
Mas também a cor, as fumarolas, os pinheiros calcinados, uns de pé outros tombados, as cinzas. Mas sobretudo o cheiro…
Foram trinta e cinco kms de borla, pela Cassiar. Depois foi deixar passar o trânsito todo e pedalar no silêncio, por uma paisagem cada vez mais intimista. O vale por onde a estrada serpenteia é fechado, cavado entre montes não muito altos, densamente florestados. Pássaros cruzam a estrada em alvoroço, com a tranquilidade interrompida, dois caribous fogem aos saltos, desaparecendo na floresta, perdizes atravessam a estrada a correr.
Surge o French Creek, um ribeiro de águas verdes que atravessa a estrada. Poucos metros depois surge uma placa discreta, do lado esquerdo da estrada, indicando uma área de lazer/pic-nic. Volto atrás e enfio-me pelo meio da sobra dos pinheiros. Deparo-me com uma clareira de relva verde, várias mesas e duas toilettes, mesmo frente a ao French Creek, que aqui faz uma espécie de lago de águas verdes. Foi uma oportunidade que não perdi. Um almoço e um repouso capazes de devolverem a alma a um tronco queimado.
Continuei pela mesma paisagem e o mesmo silêncio. Daí a pouco paro para tirar mais uma foto e, ao arrancar, olho ocasionalmente para trás e lá vem o Américas. De tronco nu e a pedalar forte. Espero por ele e prosseguimos juntos alguns quilómetros a conversar. Mas definitivamente não quero ir ao ritmo de ninguém, quero ir ao meu ritmo. Não quero ir a fazer conversa com ninguém, quero o meu silêncio de volta. Não quero que me digam para onde olhar ou o que ver, quero olhar e descobrir o que o meu olhar descobrir.
Por isso despedimo-nos e ele já foi a 100 à hora…
Pouco depois surge a indicação do Boya lake e campground. Fica a 2 kms da estrada, ainda é cedo e quero fazer mais uma dúzia de quilómetros. Mas também não quero perder a oportunidade de ver o que é que o Boya lake tem para oferecer…Dirijo-mne para lá. São 2 kms a descer, por vezes acentuadamente, pelo que pagarei o preço no regresso…mas há preços que vale a pena pagar – e é para isso que aqui estou, para pagar o preço que for necessário para gozar a liberdade e cada momento. E o Boya lake não me desiludiu – foi até barato. Surge ao fundo de uma descida mais acentuada, escondido pelos pinheiros em todo o perímetro, com uma cadeia de montanhas ao fundo. Mas a água, a cor, ou melhor, as cores e os tons da água é que amarram a vista como a âncora do navio. São transparentes na beirinha, esmeralda a seguir, segue-se o sulfato de cobre e acabam no azul profundo do céu.
Dei a volta ao parque, percorri toda estrada, todos os lugares para acampar. Cheguei ao fim e como havia um percurso pedestre de 1,5 kms, encostei a bicla e fui caminhar – sabe bem caminhar depois de várias horas sentado a pedalar…
Muitas fotos… cada ângulo, cada recanto, cada reentrância, cada perspectiva são uma tentação para o dedo…mas é impossível captar esta sensação, este colorido, este silencia, esta êxtase…
Decido não acampar aqui. Seria delicioso acordar de caras com o lago, mas quero avançar mais uns kms hoje. Good Hpe lake deve distar dez ou quinze quilómetros e embora não tenha campismo, devo descobrir um belo recanto para pernoitar.
Agora o vale fecha totalmente, as montanhas crescem por todos os lados e parece não haver saída. O vento sopra forte e desfavorável. Mas está em desvantagem, pois o prazer está comigo…Primeiro surge o Mud lake, logo depois o Aeroplane lake e, finalmente, o Good Hope lake, seguido da “povoação” com o mesmo nome. Infelizmente feia, com muitos carros velhos amontoados. Felizmente é pequena e discreta…
E para acabar, é isso mesmo, logo após a povoação, onde termina também o lago, há um desvio para a esquerda.
É para lá que me dirijo. Rapidamente deixo esse desvio e infiltro-me na mata. Encontro o local sonhado mesmo “com os pés na água”. E o musgo abundante tornará a cama ainda mais macia...
Dia dos lagos, das montanhas e do silêncio
Jade City, Long lake, Twin lake, Simon lake, cotton lake, Elwod lake, Dease river, Dease lake, mais todos os anónimos que nem por isso são menos merecedores de surgirem no catálogo da Cassiari Hwy…
Hoje as fotos que tirei (ainda não sei quantas foram) falariam por si. Não por serem belas ou bem tiradas, mas a quantidade diria do entusiasmo que sentia ao virar de cada curva da estrada…
Os primeiros 20 kms foram duros, frios, predominantemente a subir e com vento contra. Parecia que ia ser um dia sofrido. Em Jade City, pouco mais que uma casa à beira da estrada que, fazendo jus ao nome do ponto que aparece apenas em alguns mapas, vende essencialmente objectos de adorno em jade, já se vê. A casa é grande e acolhedora, com muita luz e está repleta, sem ser claustrofóbica de objectos em jade. Brincos, anéis, os mais diversos animais, relógios, fios, colares, etc., a colecção parece interminável… Por mim, entrei mais interessado em comida e bebida. Atendeu-me uma miúda sorridente, que me perguntou de onde vinha. Quando lhe disse “de Inuvik”, logo ela completou: ah, com destino à Patagónia…parece que a malta que por aqui passa com partida de Inuvik, tem por destino a Patagónia. Perguntei-lhe se já lá tinha passado algum português, ao que me respondeu “não que me recorde”. Depois fiquei a saber que normalmente pensam fazer o percurso em 18 meses, o que é lógico, quanto mais não seja por causa das estações do ano. Também me disse que este ano só tinham passado 2 ou 3… Comprei uma espécie de batatas fritas com sabor a queijo, uma coca-cola (para levar) e um café com leite, que repeti (self-service de borla).
Continuei a pedalar e pouco depois surgiu uma série interminável de lagos, de um e outro lado da estrada, rodeados invariavelmente por pinheiros altos e verdejantes e por consecutivas cadeias montanhosas, fechadas e contorcidas formando um contínuo labirinto de onde parecia não haver saída. O sol raiava e já aquecia, especialmente nas subidas. Precisava sentir todo aquele silêncio, absorver toda aquela harmonia selvagem, grandiosa, esmagadora da pequenez humana. Tirei os óculos de sol, o capacete e mesmo a camisa. Queria estar totalmente desperto. Ver, cheirar, ouvir, sentir tudo sem barreiras, sem interferências. De quando em vez dava por mim a sorrir de alegria por estar ali, pertencer àquela paisagem naquele momento, por efémero que fosse. Queria guardar tudo eternamente em todos os sentidos. Apetecia-me parar, sentar-me e ficar indefinidamente em cada curva da estrada, em cada recanto que surgia ao meu olhar…Hoje estava a ser uma autêntica bebedeira para os sentidos e não eram tanto os lagos e as suas cores assombrosas. É a montanha que esmaga, com a sua imponência…Houve um momento em que parei na estrada para tirar uma foto. Olhei para trás (raramente olho para trás) e quase me apeteceu voltar para trás e repetir de novo. Enfim, quem sabe, faço isso quando a estrada acabar!!
A segunda metade do dia foi menos excitante. Era impossível manter a adrenalina e o encanto da manhã o dia todo. Após o Dease river a paisagem abriu, as montanhas diminuíram e afastaram-se, a estrada ficou mais suave e até o vento amainou. Passei a pedalar mais depressa e passei a achar possível chegar a Dease lake, acampando por aí…Seriam 140 kms, mas possíveis. O Dease lake lá surgiu: são cerca de 40 kms de extensão e é bastante largo. É demasiado grande para a minha lente, limitei-me a pedalar lado a lado. Aos 120 kms da jornada, surgiu uma subida de para aí 3 kms. Foi a primeira vez que senti o suor escorrer pelo rosto e pingar mesmo no nariz…também foi por essa altura que senti umas leves picadas no joelho esquerdo…acho que está a protestar…tenho de lhe dar mais atenção.
Cheguei á povoação de Dease lake, que fica numa ponta do lago, abasteci poucas coisas e procurei um local para acampar o mais perto possível. Surgiu cerca
de 5 kms depois, um caminho que levava a uma casa abandonada, mesmo junto ao rio. Como as portas e janelas estavam fechadas, armei a barraca no alpendre…tomei banho e
lavei a roupa no rio e comi framboesas do quintal…Ah!
e ultrapassei hoje os 2000 kms
De Dease lake a Iskut/tatogga lake
Apesar do céu completamente límpido e o sol já despontar, a temperatura está baixa e tenho de sair com o corta-vento vestido. Os primeiros 11 kms são sempre a subir…duros e demoro quase 1h15 minutos a percorrê-los, não tenho olhos, nem cabeça, nem alma para mais nada, só para o asfalto. Também é verdade que quando espalho o olhar, a paisagem não o prende…lá no topo aparece a indicação de Gnat pass sumit – 1241 metros. Agora conto que os próximos kms sejam a recuperar.
Pouco depois surge a recompensa: o Low Gnat lake, um lago que se estende pelo planalto, no sopé da montanha, com vários canais de erva verde e ainda uma pequena língua de terra branca – parece quase areia visto da margem. No lago passeiam patos. Outros estão imóveis na língua de areia. As cores são fortes, mesmo as das flores vermelhas que crescem anarquicamente nas bermas das estradas. Fico ali a repousar, a respirar, a reclamar a minha recompensa pelo “trabalho” já feito…
Continuo, passo pelo Uper Gnat lake e pouco depois pára no fim da descida um carro umas centenas de metros à minha frente. Adivinho facilmente ao que vai…o tipo sai do carro com máquina fotográfica em riste e começa a tirar-me fotos. Paro ao pé dele e diz-me com ar encantado e pronúncia alemã: é fantástico assim nesta imensidão da estrada e da paisagem uma pessoa de bicicleta…é tão contrastante… sem que lho sugerisse, pediu-me o mail e disse-me que me enviaria fotos.
Até ao Stikin river, não houve mais nada digno de nota, mas a meio da descida de 6 kms, com 7% de incinação, surge uma vista fabulosa do rio, correndo minúsculo esmagado pela imponência das montanhas que o rodeiam…pena a luz estar muito baça…Após a ponte há um pequeno retiro com toilette e uns painéis de informação. Tenho quase 50 kms, a sombra é óptima (o calor aperta) e é ali que almoço. O musgo é tão fofo que me estendo e só não adormeço por causa das moscas e principalmente os mosquitos.
Retomo a jornada e, está-se mesmo a ver, não é!? Uma subida daquelas de cortar a respiração…ainda por cima boa parte em “lose gravel” – ou rípio para os chilenos, não é Serra? Foram 7 kms, com inclinações de 8%, como se pode provar pela legenda…
Bom, a paisagem só voltou a arrepiar com a aproximação a Iskut. Regressaram as montanhas de contornos firmes e agressivos, perfurando as escassas nuvens com agressividade. Estendem-se por todo o lado e confundem o olhar e os sentidos. Iskut é pouco mais que uma placa com o nome, uma bomba de combustível e respectiva mercearia. Parei aí e embora ande sobrecarregado com comida, não deixei de reforçar a despensa. Aliás, até fiz uma asneira…na secção do leite, compro um litro com chocolate – era o último e mais dois ½ litros.
Compras feitas, sento-me na mesa exterior e emborco de um trago uma embalegem de meio litro, mas quando termino, o sabor não era o que esperava…olho melhor e eram natas!! Bem, já estava feito. Fui trocar a outra embalagem e a senhora ficou a olhar para mim com ar desconfiado: este deve ser tó-tó.
A seguir a Iskut estende-se um lago enorme que creio ter o mesmo nome. É fantástico este vale cerrado, cavado em montanhas enormes, áridas, de contornos agressivos e depois com o lago tão tranquilo, tão verdejante, espelhando toda a natureza que o rodeia. Pedalei devagar pela estrada em carrossel que troteia ao longo da margem…Surge ainda o lago Tatoggo e a partir daí, já com quase 100 kms feitos, começo à procura de um local para acampar. Acabou por surgir pouco depois, junto a um ribeiro. É quase sempre assim…há um lago ou ribeiro tranquilos nas imediações da estrada e é aí que armo a barraca, tomo o meu banho, preparo a jantarada e fico com vontade de verter para o papel o que recordo do dia…
De tanto ver, cheirar e sentir, o meu coração transborda
O Kinaskan lake anuncia-se suavemente na paisagem. Estende-se azul e tranquilo aos pés da montanha majestosa, ainda pintalgada pelos restos da neve que resistem ao sol. Pouco depois surge a indicação do Kinaskan Campground. Claro que eu não estava a pensar acampar nem pescar. Mas a curiosidade, a procura de alguma vista soberba sobre o lago e a montanha ou mesmo só a água fresca com que substituiria a que transportava, eram razões mais que suficientes para uma paragem.
Dirigi-me para a bomba de extracção de água, mesmo junto ao sítio nº 14, onde estava uma caravana e várias tendas. Dava à bomba, que fazia uma chiadeira metálica inapropriada para o local, quando uma jovem mulher com ar simpático e fresco, sorriso rasgado e olhar luminoso, me cumprimentou. Retribui com a minha maior simpatia e delicadeza e trinta segundos depois estava a ser convidado pela Wendy para tomar o pequeno-almoço com eles. Antes de eu dizer o que fosse, ainda meio embaraçado, e já ela concluía: vamos embora hoje, é o nosso último pequeno-almoço e temos imensa comida. Não podia recusar àquele olhar. A mesa estava de facto repleta! Antes de mais apresentou-me o Bob, presumo que marido, do Quebec (ela da da British Columbia), que logo me “apresentou” a bicicleta dele. É de estrada, uma Giant amarela, muito bem equipada e que pesa cerca de 8 kg! Trouxe-a para dar umas voltas, pois estavam ali acampados há uma semana – como fazem quase todos os anos – mas o piso este ano está bera, pelo que não andou. Faz ciclismo por lazer mas já participou em três provas este ano…Fizemos um brinde os dois com sumo de laranja natural.
Sentámo-nos para o pequeno-almoço e á mesa estava ainda o Matt e a Tany, dois jovens de menos de 30 anos. Fez-se silêncio, baixaram os olhos e o Bob agradeceu a Deus a comida, o dia, e o amigo português que se lhes juntou. Pediu a protecção e ajuda Dele para a viajem que ia fazer. E todos dissemos Ámen e começámos a atacar os ovos estrelados, o bacon, várias torradas, mais 2 copos de sumo de laranja, um iogurte e um café acabado de fazer pelo David, marido da Louise, e também amigo do grupo.
Ainda estava sentado à mesa a conversar como se de velhos amigos se tratasse e já a Wendy vinha com um cesto de fruta para eu levar! Nectarinas, laranjas, peras e mais uma caixa enorme de Blueberries. Estão mesmo a ver! Nem conseguia reagir…parecia a minha mãe a querer mandar-me tudo o que tem em casa, quando lá vou…Expliquei que não tinha espaço, que eram extraordinariamente simpáticos, mas não podia levar… Aceitei uma nectarina, deliciosa por sinal e disse que levava umas blueberries. O problema era onde. Bem, estava eu a sugerir o copo vazio do iogurte quando a Tany se levanta e me trás uma embalagem mais pequena (½ kg, para aí). Entretanto já quer o Matt quer o Bob tinham ido experimentar a minha bike pelo parque. Pareciam não acreditar que era possível transportar aquilo tudo…e o David contava-me entusiasmado que tinha conhecido uma alemã na Austrália, para aí há 30 anos (ele já anda nos sessenta e muitos), que já tinha feito a Nova Zelândia. Encontrou no deserto, para aí com 40 graus e um pneu rebentado. Quis dar-lhe boleia para a cidade mais próxima mas ela recusou: havia de se desenrascar…
Despedi-me com emoção do grupo e espero que o meu inglês tenha sido suficiente para lhes mostrar a minha gratidão e reconhecimento.
Durante muitos kms revivi aqueles momentos. Creio que não os esquecerei nunca…
Mas a jornada estava longe de estar terminada. A paisagem volta a dominar tudo. As montanhas, primeiro longínquas, com neve no topo, vão-se aproximando com o decorrer dos kms, vão mergulhando sobre a estrada, que é predominantemente a descer, vão-se fechando sobre mim. Parece que estou a entrar num caminho sem saída e sem retorno. Procuro quebrar a solidão do silêncio, trauteando as músicas que me vêm à memória. Mas é impossível. O silêncio é sempre mais forte, é intocável, intangível, invisível mas inescapável.
E de repente salta um urso preto da berma para o meio da floresta. Só o vejo de relance. Fico desesperado…mas 200 metros à frente, no fim da descida, está uma carrinha parada. Olho com mais atenção e está lá outro urso!! Tiro logo uma foto dali, vão vá escapar-me mais este, e começo a descer lentamente, não sem antes trocar nervosamente a lente da máquina para outra mais potente! Aproximo-me e o urso atravessa a estrada. Disparo de rajada…chega-se ao carro, cheira, e eu aproximo-me e continuo a disparar. Olha para mim, ainda estou a uns bons 30 metros mas penso no repelente anti-urso que está no alforge. Preparo-o e continuo a avançar de máquina em punho. Ele volta-se, desinteressa-se do carro e de mim, atravessa a estrada e pouco depois desaparece na floresta! Chego-me aos tipos do carro, dois jovens que têm como profissão vigilantes – da natureza, dos incêndios, das estradas, tudo.
Prossigo e ainda retenho mais um troço fabuloso de paisagem, ao longo do rio Ningunsaw. Ali é que parece mesmo que não há saída, que tenho de dar meia volta ou escalar as montanhas, mas claro que há…e a cada curva apetece-me tirar mais uma
foto…confirma-se que a jornada hoje foi fácil e a descer: aparece uma placa que diz: Ningunsaw Summit 466 m. Claro, ontem no Gnat summit estava a 1421 m…vamos ver quando for a subir para Jasper e Baff…
Black Bears
Nunca me tinha sentido assim atacado por um exército de moscas e mosquitos. Nem tomei o pequeno-almoço, apenas comi uma banana. Queria ver-me longe daquele local…
A estrada levava-me pela frescura da manhã. Uma pequena clareira na vegetação densa e um lago de patos nadando meio encolhidos. Tirei uma foto à montanha espelhada no lago e prossegui. Pouco depois surge uma “rest área”, também ela à beira de um lago, pois claro e tomei aí verdadeiramente o pequeno-almoço. Entre outras coisas, ataquei as blackbarries…
Com 17 kms percorridos surge Bell II, uma das tais zonas de repouso e abastecimento. Neste caso tinha parque de campismo, mas disso estava eu servido. Dirigi-me ao café, de interior ameno e maneirinho. O menu foi-me prontamente apresentado pela empregada solícita. Dei uma vista de olhos mas fiquei-me por um chocolate quente e um bolo. Os pequenos-almoços eram promissores mas tinha comido há pouco pelo que guardei os 10$ para depois.
Ás 10h já pedalava de tronco nu… o calor não era excessivo mas sabia bem pedalar assim. A estrada descia com suavidade mas quase continuamente, pelo que a média rondava os 19 kms. Só pensava quando chegaria a factura…Certo é que só parei para almoçar com 78 kms feitos. Acho que foi o meu recorde numa manhã – salvo seja, pois eram cerca de 14h…
Deslizava tranquilo quando um urso atravessa a estrada a correr, para aí vinte metros à minha frente, e se refugia na floresta. E este parecia ser dos grandes…mais uma oportunidade perdida!!
Mas felizmente hoje os ursos estavam do meu lado. Pouco depois, desta vez atempadamente vejam umas manchas negras lá bem adiante, na berma da estrada e nem queria acreditar: a serem ursos, eram vários… troco de imediato a objectiva e já não tinha dúvidas eram três – mãe e dois filhotes juvenis. Vou-me aproximando com todo o cuidado, máquina empunhada numa mão, guiador na outra e a deslizar o mais cuidadosa e silenciosamente possível. A mãe interrompeu a refeição, virou-se para mim, fez uma pausa e atravessou a estrada, ficando parada à espera dos filhotes que continuavam distraidamente a comer. Emitiu um ligeiro som a chamá-los e um respondeu de imediato juntando-se a ela. O outro continuava a comer (e eu a aproximar-me e sempre a disparar). A esta altura já estava próximo e ela encarava-me com atenção. Então tirei o repelente do alforge para o que desse e viesse e continuei a aproximar-me. Emitiu novo som impaciente e o outro júnior deu uma corrida, atravessou a estrada e desapareceram os três na floresta…
Estava ganho o dia se mais não houvesse para contar.
Tinha como objectivo chegar a Meziadine lake e acampar aí, desta vez num parque oficial. Chegado ao entroncamento da Cassiar com a 37ª, confirmei o que suspeitava: não existe nada aqui, Uns barracões e bomba de combustível desactivados. Nem hesitei…dirigi-me para o parque de campismo, por sinal perto da estrada. É muito pequeno, com as caravanas e os lugares para acampar muito próximos, praticamente cheio. Apesar de tudo, lá arranjei um sítio razoável e fui para o lago tomar uma banhoca (com shampoo e gel). E foi na água que travei conhecimento com a June, uma sexagenária com os olhos azuis da água do lago, o cabelo de neve das montanhas em frente e o sorriso melancólico e sereno do sol poente. Nasceu em Londres, veio fazer o mestrado para Vancouver há 45 anos e por cá ficou…está a viajar de férias com o filho Peter. Quando regressava à minha tenda, por casualidade ao lado da caravana deles, convidou-me para tomar algo com eles antes de jantar. Estou cada vez mais aberto e entusiasmado com conhecer e falar com as pessoas. Aceitei logo… e enquanto bebíamos a cerveja que me ofereceu, veio o convite para jantar, com toda a doçura. Aceitei também. Era massa com bolonhesa, uma salada e uma garrafa de tinto. A primeira palavra do jantar foi um brinde a…mim.
O jantar foi magnífico, repeti três vezes. É uma pessoa encantadora, que ama as montanhas (já esteve no campo base do Evareste), os rios (faz canoagem em autonomia, adora arte e história, pelo que vai à Europa com regularidade), mas volta sempre ao Canadá, à natureza que ama… Disse-me que o melhor momento da vida dela foi aquele anúncio em Londres que dizia “faz o master na British Columbia”…
E black bear
Hoje poupo-vos: há pouco para contar – ou então estou a perder a vontade de me confessar... O dia resume-se em três parágrafos – ou talvez mais.
Despedi-me nos meus amigos de Vancouver e a June pediu-me para tirar uma foto junto com o filho. Aproveitei e tirei também uma com ela. Com a mesma simpatia de ontem e o mesmo olhar, disse-me que se alguma vez passasse em Vancouver era convidado dela, pois tinham uma casa enorme.
A estrada, hoje mais do que em qualquer outro dia, era formidável para os meus amigos que pretensamente gostam de ciclar. Digo pretensamente porque a maioria deles o que gosta é de descer. E eu acho que quem gosta realmente de andar de bicicleta, gosta (também) de subir, de sentir as pernas a ganharem o ritmo e a imporem aquela cadência, o corpo a aquecer, a temperatura a subir, o suor a gotejar e a montanha cada vez mais ali ao nosso nível, a vergar-se à nossa vontade e determinação, ver os metros a passarem devagar mas inexoravelmente, sem retorno, e por fim ver o declive a diminuir, ver que não há mais para subir e que vencemos mais uma vez. Só quem retira prazer das subidas é que sabe o que é saborear uma vitória e só esses é que verdadeiramente gostam de ciclar… pois hoje não era dia para esses, era para todos os outros! O vento esteve sempre a soprar pelas costas e praticamente sempre a descer (o plano com vento favorável é descida, tal como com o vento contra se transforma em subida). Foi por isso que fiz 140 kms à média de 19,4 km/h…
Ainda assim consegui ver um urso preto não antes que me visse a mim, nem antes que se refugiasse na vegetação. Pareceu-me um grande urso preto, só. E por isso decidi fazer-lhe uma espera. Fiquei ali à coca e daí a alguns minutos vejo os arbustos agitarem-se com violência e ouço o barulho dele. Estava a poucos metros mas invisível. Esperei e fui brindado com um excelente momento, incluindo o gajo a babar-se e a fungar!! Foi uma série de fotos e adrenalina – por exemplo, esqueci-me completamente do repelente.
E os kms passavam tão depressa que se não me cuido ainda chegava hoje à patagónia, o que não dá jeito por não estar no contrato! A sério, já ia lançado para chegar a Kitwanga (faltavam 20 kms e pouco passava das 5 horas) quando vejo uma informação na estrada a dizer: Gitanyow aldeia histórica. Pressenti que era perto e dirigi-me para lá. A aldeia em si é feia como a generalidade: um conjunto de casas de um e outro lado da estrada, com telhados de metal e sem qualquer marca distintiva, nem sequer cuidadas (algum lixo e sujas). O interesse histórico advém dum vasto conjunto de tótemes dispostos numa vasta área frente ao museu (fechado). Como o rio passava ao lado de um parque de merendas rústico e havia um café mesmo nas imediações, decidi que era um bom sítio para acampar. Depois de fazer algumas compras, perguntei à empregada se podia acampar por ali. Acabei mais uma vez a lavar a roupa e tomar banho no rio...
Adeus Cassiar Hwy. Olá Yellowhead Hwy.
Com a maresia que caiu durante a noite, acordei com a tenda toda molhada por fora e com a roupa que lavei ontem mais molhada do que ao pendurá-la. Assim sendo, fui deixando o tempo correr, o sol erguer-se acima da montanha e esperar que pelo menos a tenda secasse.
Tomei um bom pequeno-almoço, com o café/shopp ali perto, está-se mesmo a ver que comi realmente que nem um alarve. Só leite, entre as 6h de ontem e as 9h da manhã, foram 3,5 litros…
Fiz-me aos 20 kms que faltavam para o fim da Cassiar mas como parti mais tarde e fui pedalando devagar, parando aqui e ali, apesar de não recordar grandes motivos de interesse, o certo é que só lá para as 11h30 é que cheguei ao fim da estrada, em Kitwanga, cujo único motivo de interesse que vislumbrei foi um “museu” ao ar livre dedicado a equipamentos agrícolas do início do século XX.
Os primeiros kms da Yellowhead são paralelos ao longo Skeena river, de águas cor de esmeralda. Do outro lado do rio estende-se a linha de comboio entre Prince Rupper e Prince George. É uma estrada completamente diferente das anteriores, com muito mais tráfego, bastantes camiões, com faixas separadas. Enfim, nota-se que estamos noutro registo…Mesmo sem a paisagem perder interesse, certo é que perdeu parte do encanto, aquele que só se sente no silêncio…Parei no Seely lake Campgrond, onde almocei junto ao lago. E enquanto preparava o meu repasto de sardinhas de conserva, pão, bolachas e passas de uva, chega uma família com as toalhas: iam tomar banho no lago (fazia parte do anúncio) e vejo o tipo de telemóvel na mão… lá está, mais um sinal de regresso à civilização – e tenho de reconhecer que lá testei o meu, que ainda tem a carga com que veio de Lisboa, há quase um mês, e funcionou… acabou-se a incomunicabilidade – salvo seja, que desliguei-o de seguida…
Depois do repasto, como estava um calor mesmo convidativo, decidi juntar-me aos poucos banhistas e também eu aproveitar o lago tranquilo – não tenho cá a Costa da Caparica mas também hei-de ter o meu banho de Agosto…Uma sesta na relva aquecida pelo sol e só bem mais tarde voltei à estrada…
A estrada prossegue com subidas e descidas, ainda que não acentuadas, mas hoje definitivamente não era um dia para correr…até porque andam para aqui uns joelhos a queixarem-se. Ainda não percebi se é bluff ou a sério, mas não quis forçar…Assim sendo, dobrados os 110 kms decidi rumar para o parque de campismo de Moricetown e mesmo na ponte à saída da estrada deparo-me com um casal de jovens suíços, o Lukas e a Rebecca, que iam para o parque também. Decidimos ir juntos e partilhar – ideia deles – o preço.
São muito simpáticos, vem do Alasca, onde começaram a pedalar há um mês e vão viajar de bicicleta 10 meses. Chegados ao parque, propuseram-me jantarmos juntos. Aceitei e logo começaram a preparar o jantar: massa com um guisado de vegetais. Parece que conheceram um casal de alemães que tiveram de interromper as férias. Como tinham montes de comida, deram-lhes alguma. E como agora vão de carro (amigos que já fizeram por cá…) para Jasper, não precisam deste tipo de comida nos próximos 5 dias…
Até Prince George.
terça-feira, 10 de agosto de 2010
Alaska Highway
Pensava que conseguia, sem mais trabalho, pôr esta coisa das imagens e o texto mais "interligados"... afinal conseguiria mas com muito mais trabalho...fica para depois...
Alaska Haighay
7 de Agosto – dia perfeito
Este será um relato longo, a que poucos resistirão…
Parece que montei a tenda no caminho privado do esquilo meu vizinho. Um parque de campismo dispõe-se ao longo de um caminho circular por entre a floresta, ao longo do qual são desmatados, “mobilados” e sinalizados os rectângulos de cada lugar. Normalmente esses lugares distam entre si entre 5 a 10 metros, ocupados pela vegetação autóctone. Certo é que o esquilo meu vizinho vive de um lado da minha tenda, onde tem a casa e o celeiro, mas o quintal de cultivo é do outro lado. Conclusão, como devemos estar em tempo de colheitas, anda numa roda-viva a acarretar pinhas do quintal para o celeiro. Chega, escolhe a pinha, pega-lhe com a boca e corre frenético para a toca onde a deposita, presumo, e repete a operação vezes sem conta!! Enquanto tomava o pequeno almoço, desisti da contagem à 20ª passagem.
Quando arrumava a tralha passou o Davidm, de bicicleta em direcção á cidade. Disse-me um último adeus (creio que será mesmo o último) e lá se foi por entre as árvores e o silêncio do parque ainda adormecido.
Hoje levam com o relato sobre o combustível…o pequeno-almoço foi uma sandes composta por 1 fatia de pão (género panrico mas mais denso, mais escuro, mais pesado e mais substancial – na verdade nunca comi desse panrico em Portugal…) + 1 grossa fatia de fiambre + 1 fatia de pão + 1 fatia de fiambre + 1 fatia de pão + 1 fatia de queijo + 1 fatia de pão + outra fatia de pão (era a última da embalagem…), uma banana e água (não me apeteceu fazer café).
Arranquei para aí às 8h30. Atravessei a cidade silenciosa e fria pela 4ª avenida. Ao passar junto a uma bomba de gasolina, lembrei-me que me ia saber bem um leitinho. Parei e comprei ½ litro de leite e 3 donuts (não são como os daí, apesar de nunca os ter provado). Bebi o leite de um trago e mamei um donut que me lembrou mais as filhós que a minha mãe faz no Natal, mas comidas dois dias depois, já secas e duras…
Prossegui para a Alasca Highway, a minha próxima companheira de aventura e devo ter e”entrado” para aí ao km 1426... Não sei se já repararam, mas aqui, ao contrário daí, as estradas têm nome; as ruas não. Ao passar junto ao aeroporto, tirei uma foto ao C47 da Canadien Pacific que está empoleirado numa pequena elevação. É um avião que esteve ao serviço dos aliados na 2ª Guerra, tendo depois sido convertido e utilizado para fins civis até 1970, com mais de 13 mil horas de voo...Alguns kms depois vem uma caravana em sentido contrário, que abranda. Estão mesmo a ver, não estão!? Eu também!! È o Beat e a Ester que vão entregara caravana às 9h. Tinham pernoitado num parque 3 kms mais à frente e iam a caminho da cidade. Coincidência? Cinco minutos de diferença e não os teria apanhado mais esta vez! Limitámo-nos a acenar e dizer adeus.
Prossegui a bom ritmo e rapidamente cheguei ao cruzamento com a Klondike Hwy. Uma placa de sinalização dizia “scenic road”, com uma foto apostalada a ilustrar o caminho: lago em tons de verde e azul, montanhas verdes e florestas de pinheiros.
Ainda hesitei, pois podia segui-la até carcross e depois tomar outra para Jakes corner, onde retomaria a Alasca. Mas seriam para aí mais 50 kms extra e sem saber como seria o piso e o relevo. Mantive-me no plano inicial.
Pouco depois surge o Yukon river, com uma bela vista do topo da colina que antecede a descida para a ponte. As águas são verde-escuro, talvez carregadas pelas nuvens pesadas e sombrias que nos rodeiam. Algumas canoas vermelhas deslizam pelas águas, desaparecendo rapidamente na curva apertada, levadas pela corrente que parece forte.
Do outro lado da ponte, o rio parece um lago por onde serpenteiam pequenas ilhotas verdejantes, pouco acima do nível da água. Outra canoa paira por ali, deslocando-se pelo Yukon River entre as ilhotas. Parece pescar, pois tem duas pessoas a bordo, agora completamente erguidas na canoa. As montanhas fecham o quadro e as nuvens parecem uma tampa. Estamos fechados sobre nós próprios naquele espaço de paz e tranquilidade…
Há uma leve brisa que me empurra! Até isso corre de feição, pedalando a 2m kms/h em média. Aproximo-me do March Lake e passa por mim uma miúda de bicicleta de estrada equipada a rigor: t-shirt, calções, capacete, luvas e dorsal. Devia ser uma competição mas nunca mais passava ninguém.
Fui parando, tirando fotos, pedalando, tirando fotos e olhando e andando e passa outra miúda, 10 ou 15 minutos depois da anterior. Mais um longo espaço de tempo e passa um trio, desta vez dois homens e uma mulher. Ok, devia ser mesmo uma prova. Esquisita, mas uma competição…
Ao km 50, na ponte sobre o rio M’Clintock, começa a chuver. Gotas esparsas mas grossas. Nem de propósito aparece uma placa a dizer “March lake recreation park 2 kms”. Era mesmo o que precisava: resguardar-me da chuva e almoçar. Havia um quiosque mínimo mas com o que interessava: “long hot-gog”, anunciava. Pois foi mesmo isso e acompanhado por um litrinho de leite, directo do pacote!
Parou de chover, o sol voltou e com ele a vontade de pedalar continuava.
Prossegui ao longo do lago, em ligeiro sobe e desce, mas sempre muito fácil e os competidores iam passando por mim, quase sempre com um comprimento ou piada. Ás tantas passa uma miúda que por cima dos calções tinha uma lingerie atrevidota – deve ter-se vestido à pressa…saco da máquina e, uma mão no volante a outra a manipular a máquina e “pernas para que nos quero”, vou-lhe no encalço d saco uma foto.
Não muitos kms depois estava uma claque a acenar e em grande alvoroço, mas já tinha passado a atleta e continuavam, parecia que para mim. E pouco depois lá estavam: dos 5 da claque, um era o Beat e outra a Ester!! Iam ficar num lodge ali por uns dias e, ao passearem pela zona dão comigo mais uma vez!! Nem dava para crer. Tirámos uma foto e trocámos mails. Agora é que deve ser mesmo a última!! Prometeram mandar fotos dos ursos que não vi…
Próximo destino é Jakes corner – uma bomba de combustível com café. Era aí também que os ciclistas deixavam Alasca Hwy e viravam para Carcross. Afinal trata-se mesmo de uma competição. São 24 horas de bicicleta em torno do lago e ganha quem der mais voltas…
Bem na estação de serviço reforcei as calorias. Um bolo enorme que não sei descrever mas que me soube a “galos de noz” (tinha uma película caramelizada com frutos secos) e mais ½ litro de leite com chocolate, o meu preferido.
Eram 2 da tarde, 90 kms feitos, sol, montanhas, lagos, pinheiros, estrada mais ou menos plana leve brisa nas costas. Só podia continuar!
Depois de Jakson corner a paisagem ficou mais selvagem, mas agressiva, mais grandiosa, mais solitária, mais silenciosa. Senti que ficava para trás uma zona mais humana – ou humanizada – e que regressava a um ambiente mais íntimo, mais pessoal.
Por entre muitas fotos, cheguei ao lago Squanga, com um parque de campismo não assinalado no mapa. Estava com 116 kms percorridos e apesar de ter energia e vontade para mais, decidi espreitar. Era mesmo junto ao lago de águas esverdeadas. Tinha algumas caravanas mas consegui um lugar mesmo junto ao
lago e, vejam bem, até pendurei a cama de rede entre dois pinheiros, onde escrevi estas linhas.
De repente começa a arrefecer, as nuvens a engrossarem e até se via a chuva a cair lá adiante nas montanhas mais a norte. Tive de retirar à pressa e tratar do jantar antes que chovesse.
E só para fechar, foi uma dose de massa carbonara, com dois enchidos fumados e picantes, 2 fatias de pão, uma banana e os dois donuts que sobraram da manhã. O que queriam? Que passasse fome!? Estas perninhas não bebem gasolina mas também não funcionam a energia solar!
8 de Agosto, finalmente a Bíblia
O dia acordou lacrimejante e tive de arrumar a tenda molhada e tomar o pequeno-almoço de pé.
Ao partir, desfazia-me do lixo no contentor, vem o meu vizinho com o isqueiro na mão, estende-o e oferece-mo. Um daqueles compridos, mesmo de cozinha xpto! Olhei para ele incrédulo e, percebendo a minha hesitação em aceitar, disse “I have lots of these”! A estória começou ontem ao jantar…começou a chover e acabámos todos a jantar juntos na cozinha do parque. E o meu isqueiro expirou mesmo ali, quando me preparava para acender o fogão, pelo que lhe pedi fogo. Mas não deixa de me impressionar…até parece que estava à coca para aquele gesto tão simples e tão significativo.
A estrada seguia para nordeste, em direcção às montanhas onde se viam mais nuvens e mais cerradas do que aqui. Logicamente não tardei a entrar chuva dentro. Não era o mais agradável dos cenários, mas deixei de dar muita atenção a estes condicionalismos naturais: aceitam-se, digerem-se e pronto. Além do mais estava certo que ainda ia ver o sol hoje…
Exactamente aos 20 kms cumpridos, surge Jonhsons Crossing, mesmo antes da ponte sobre o Teslin river, com a habitual bomba de combustível e café/mercearia. A chuva já tinha parado, mas estava desconfortável com frio nos pés e mãos. Ia saber-me bem um chocolate quente e talvez alguma coisa para mastigar.
Teslin ficava a cerca de 50 kms. Mas até lá foi pedalar facilmente, praticamente com a estrada a bordejar o extenso lago. À direita, e especialmente na longínqua linha do horizonte, uma cadeia de montanhas delimitava a vista. As nuvens marcavam presença discreta e distante. Em Testlin visitei o Tlingit Heritage Center. Apenas a colecção de fotografias me satisfez...ah e o café com leite, de borla (a entrada foi 5$...).
Parei no supermercado local e reforcei as provisões. À saída da vila parei no “viewpoint” e almocei com vista para o lago, lá em baixo aos meus pés.
Prossegui e fui vendo os kms passarem. Sentia a brisa nas costas e o sol brincando às escondidas com as nuvens. O chato é que nas subidas apetecia-me tirar o corta-vento e nas descidas estava frio e era-me necessário. Lembrei-me diversas vezes do Serra, o amigo que comigo fez a Patagónia. Estava sempre a parar para pôr e tirar o corta-vento…Certo é que depois de Teslin não haveria mais nenhum campismo oficial, pelo que teria de improvisar. Entretanto a estrada entra na British Columbia, mas nem por isso algo muda. Confesso que está-se a tornar muito fácil ultrapassar os 100 kms por dia. O selim parece que já desistiu de me atacar. As pernas estão perfeitamente à altura das subidas. O coração parece estar maior e mais forte – hoje, no fim de uma subida de cerca de 1 km decidi contar as pulsações: 120. Tudo normal, portanto. Até o vento parece ter desistido. Ou melhor, tornar-se aliado! De facto está uma brisa, não muito forte, é certo, mas ainda assim capaz de fazer estragos se frontal. Fiz o teste invertendo a marcha para ir tirar uma foto que me tinha escapado e senti como podia ser duro se desfavorável…Mas enfim, estava mesmo a gozar a estrada, a “velocidade”, as subidas e descidas, a paisagem, o silêncio, a luz. Procurava um local aprazível para acampar, mas nada. Pelo mapa, parecia que deveria estar a cruzar i Swift river, o que regra geral proporciona sempre um local simpático. Mas o raio do rio nunca mais chegava!! De repente começa a chover, as habituais gotas ralas mas grossas! Decido desviar-me da estrada e resguardar-me na floresta. Á falta de melhor, ficaria já por ali. Aliás, estava a começar a sentir uma leve picada no joelho esquerdo, o que não me agradava… Uma breve pausa e parou de chover. Ficar ou continuar mais 3 ou 4 kms. O raio do rio não podia estar longe. Decido prosseguir e em boa hora o fiz. De facto, menos de 3 kms depois surge o rio, antecedido por um desvio para onde não me dirigi de imediato por ver lá estacionada uma auto-caravana, com fogueira acesa. Já agora queria o sítio só para mim! Certo é que as gotas recomeçaram e o rio não proporcionava melhor poiso. Voltei para trás, passei ao lado da caravana, cumprimentei os vizinhos e disse-lhes que ia acampar ali também. Estava a montar a tenda quando a Tenney-Ann, assim se chama a senhora, me veio visitar, dizendo que tinham comida a mais, se eu não era servido. Dei por mim com uma pratada de massa com diversos ingredientes e ainda companhada de brócolos e couve-flor.
Depois da janta, juntei-me com eles à fogueira (tinham três cadeiras) e ficámos a conversar das coisas simples: sobre a minha viagem, os sítios onde estive, para onde vou, quantos kms faço por dia, o que transporto comigo, o que faço. Da parte deles, contam o mesmo: são reformados, de Okanagan, etc.
E é no fim da conversa, quando se levantam para ir passear o cão, que me vem com um presente: “What does de bible really teach”, mais uma daquelas revistas que os Jeovás distribuem de porta em porta!! Estava passada a mensagem. São mais umas gramas que vou ter de transportar até à próxima reciclagem…talvez antes pratique o meu inglês!!
9 de Agosto, apostola de Jesus
Tomava o pequeno-almoço de pé, quando o meu vizinho Dale, de caneca de café em punho, se me dirigiu e perguntou se queria um café. Aceitei sem cerimónia. Estendo-lhe a minha canequita mínima, mais apropriada para uns shots do que para café, ainda por cima deste por cá, que mal tinge a água, mas ele perguntou se não queria uma caneca maior. Anuí logo e acrescentei: com leite, please.
Uma breve pausa e sai de casa com uma canecada de café com leite. Sabe realmente bem pela manhã, especialmente se está frio, como é hoje o caso…
Arranquei primeiro que eles, despedimo-nos mais uma vez e lá fui, calmamente em direcção a Watson lake, onde só chegarei amanhã. Para já procurava Swift river com intenção de reforçar o pequeno-almoço. O dia estava sorridente, sem uma nuvem. As montanhas verdes, totalmente arborizadas. Os lagos iam-se sucedendo, destacando-se o Swan lake pelo tamanho, pelas cores e pelo recato, pois só de quando em vez se deixava espreitar por entre a densa barreira de pinheiros frondosos.
Swift river estava fechada. Tive de continuar, tendo por próximo objectivo Continental Divide, já com 50 kms palmilhados – é certo que mais uma vez com ventinho pelas costas. Em Rancheria tive a primeira surpresa desagradável. Não havia qualquer tipo de mercearia, apenas um restaurante. E não é que ao entrar no dito, a “patroa” – tinha mesmo ar de “patroa” diz-me de má modo: não viu a informação a dizer que o restaurante não está acessível para clientes? Respondi que não, apesar de ter passado a vista pelo dito. Afinal a partir das 12h só servem a malta das obras, que andam a repara a estrada e a ponte nas imediações. Nem uma sopa, ainda perguntei? Só faltou dar-me com o que tinha na mão. Meti o rabo entre as pernas e saí. Aproveitei a mesa e cadeiras cá fora, saquei dos meus aprovisionamentos e fiz-me à vida, pois claro.
Agora era pedalar até Rancheria, 20 kms adiante. E foi numa das longas descidas que vi uma senhora sentada naqueles resguardos/gradeamentos das bermas das estradas, olhando o rio que corria a seus pés. O mais curioso, e que me fez abrandar, foi uma enorme mala junto a ela, na berma da estrada. Parei, cumprimentei-a e começámos a conversar. A pergunta típica que me fez foi “de onde és”? Mas antes de eu responder ela disse: deixa ver, Polónia. E eu, “quase acertavas. Não, Portugal. E tu, és canadiana?”. “Sou apostola de Jesus, responde-me. Ando pelo mundo, especialmente pela América Latina e divulgar a palavra de Jesus”. Não estiquei a conversa por esse terreno pois não me interessava. Mas ainda falámos um bom bocado e parece conhecer bem a América Latina (Brasil, Chile, Bolívia e Argentina, especialmente).
Lá cheguei a Rancheria e devorei uma sopa de legumes, uma tosta, um copo de leite e uma caneca de café com leite…fui mais moderado.
O objectivo do dia era ficar a cerca de 100 kms de Watson Lake para amanhã poder chegar confortavelmente. Assim, dentro de 20 ou 30 kms teria de encontrar um local aprazível para acampar. Ainda antes das 4 da tardem descobri-o. Havia uma serventia que entrava floresta a dentro em direcção ao rio que não devia andar longe. Meti-me por aí fora e 800 metros depois chego a uma clareira tranquila, junto ao rio. Era o local perfeito. Ainda iria ter uma longa tarde de sol, que aproveitei para lavar a roupa no rio, tomar um bom banho (há 2 dias que não tinha oportunidade), fazer uma boa limpeza à bicicleta, estudar os mapas, pôr a escrita em dia, preparar uma bela jantarada, com sopa e 2º prato!! Ah, e só hoje é que terminou a primeira garrafa de gás! Já posso fazer estatísticas e modelos de previsão.
E agora que são 11 horas e a luz já escasseia (em Inuvik, há menos de 3 semanas, só entre as 2 e as 5 da manhã é que não havia luz…).
10 de Agosto, Bikers on the road
Hoje vou ser parcimonioso e poupar-vos também…
Como estava com o bichinho de chegar cedo a Watson Lake, madruguei. Pequeno-almoço mais parco que o habitual, pois as reservas estão a chegar ao fim, pé-no-pedal e pernas para que vos quero! Pedalei ao longo do Rancheria river, que foi ou mudando de nome ou recebendo afluentes: low Rancheria, small Rancheria. Curiosamente o céu estava completamente nublado sobre a minha cabeça, mas absolutamente limpo, daquele azul translúcido, na linha do horizonte. Era para lá que eu ia…
Ás 7h30 a estrada estava praticamente deserta, pelo que era eu e o silêncio, apenas. Ah, e o vento, o tão amigo e suspeito vento, discreto nas minhas costas. Esta amizade começa a preocupar-me…pois amanhã inflectirei completamente para sul, por vezes mesmo para sudoeste, e nestes dias tem estado sempre a soprar de oeste…
Tinha percorrido menos de 20 kms quando surge à ilharga um casal de ciclistas em sentido contrário. Antecipam-se, cruzam a estrada e cumprimentamo-nos como se fossemos velhos amigos. É o Scot e a Michelle, vem de Vancouver, há dezanove dias a pedalar e têm mais nove dias de férias. Ainda não sabem até onde irão…andar de bicicleta é assim: sabemos de onde vimos, nunca sabemos onde vamos pernoitar nem qual será o ponto final.. Deram-me o mail e site deles, falaram-me de um site (hotshower.com, creio – ainda não testei) dedicado exclusivamente a bikers, disseram-me já ter feito Jasper e Banff e encorajaram-me a ir, que o relevo e a dificuldade não é maior que esta… por meu lado disse-lhes de onde vinha, para onde tencionava ir e falei-lhes do percurso que iam enfrentar. Infelizmente para eles, o vento era frontal e forte…
Poucos kms adiante, antes do Big Creek CG, outro biker em sentido contrário! Desta vez fui eu a antecipar-me e atravessar a estrada. Era japonês – chamemos-lhe sushi, pois o nome verdadeiro não sou capaz de o imaginar…Afinal parece que ainda há quem fale inglês pior do que eu…era o caso. Lá me explicou algo que me interessa sobremaneira: a estrada 37 (cassiar hwy) tem estado com trânsito cortado ou muito condicionado por causa de incêndios…há cinco dias que me alertaram para isso em Whitehorse, na oficina das bicicletas. Pensei que quando lá chegasse já estivesse mais do que ultrapassada a situação mas parece que ainda não. No caso dele, apanhou uma boleia de um camião durante 50 kms. Veremos amanhã…
O resto do caminho não teve estória nem motivos especiais de “reportagem”. Umas subidas tramadas, descidas deliciosas, de vários kms, paisagem “normal”: lagos, montes, pinheiros, céu, nuvens aqui, sol acolá, frio nas descidas, calor nas subidas, silêncio sempre.
Ao chegar ao entroncamento com a A37, 22 kms antes de Watson Lake, pensei em mudar de planos e porque não ir já para sul, evitando os 44 kms extra de ir e voltar à vila. Para isso era necessário apenas que houvesse por aqui internet e uma boa mercearia. Tinha de ter pelo menos gás, pois a minha garrafa suplementar entrou ontem em funcionamento. É verdade que deve dar para 15 dias, pelo menos, mas não quero arriscar sem necessidade. Bastará quando tiver de ser…Como apenas existiam bebidas e barretes ok, bonés e porcarias sem qualquer interesse) no shopp da bomba, tive mesmo de regressar ao plano A.
À entrada de Watson Lake surge o incontornável “sign post forest”, uma área em crescendo onde a malta de todo o mundo vai deixando a sua “marca”… Parece que é a principal atracção da vila, o que não é difícil…pela informação do guia que tenho, vivem aqui 1560…Ainda assim, só gostava que vissem a biblioteca, precisamente onde estou a rabiscar estas letras à pressa!! Qualquer coisa de fabuloso…especialmente para um aglomerado com 1500 moradores!
Bem, antes ainda da biblioteca fui às compras e adivinhem quem estacionou a bicicleta ao meu lado!? Não, não adivinharam! Foi o John, o “Américas” que encontrei em Inuvik e que me olhou de soslaio quando disse que ia fazer a Dempster… Bem, talvez seja preconceito meu. Se calhar é bom tipo…
Fui às compras e garanto que levei um cesto maior do que os que uso no pingo-doce (aí levo sempre o mais pequeno e chega sempre para as compras!). Ia metendo coisas para o cesto e tomando-lhe o peso, olhando para o volume e “cortando” na fome previsível. Acabei com o cesto meio… Arrumava com dificuldade (por falta de espaço) as compras na burra quando sai o John. Nem queria acreditar! O cesto dele estava de cocuruto!! Acreditem que não estou a estereotipar nem exagerar! Bem, não sei onde arruma tudo…certo é que não tem mais arrumação que eu…
Despedimo-nos (vamos para a mesma estrada mas ele não sabe se parte hoje e parece-se comigo: no seu registo).
E agora vou tratar da vidinha, sim, porque até Prince George – a próxima “cidade” a sério, são cerca de 1300 kms. E até lá, não sei se conseguirei net… só se for em Smithers, mesmo assim daqui a cerca de 900 kms…See you there.
Alaska Haighay
7 de Agosto – dia perfeito
Este será um relato longo, a que poucos resistirão…
Parece que montei a tenda no caminho privado do esquilo meu vizinho. Um parque de campismo dispõe-se ao longo de um caminho circular por entre a floresta, ao longo do qual são desmatados, “mobilados” e sinalizados os rectângulos de cada lugar. Normalmente esses lugares distam entre si entre 5 a 10 metros, ocupados pela vegetação autóctone. Certo é que o esquilo meu vizinho vive de um lado da minha tenda, onde tem a casa e o celeiro, mas o quintal de cultivo é do outro lado. Conclusão, como devemos estar em tempo de colheitas, anda numa roda-viva a acarretar pinhas do quintal para o celeiro. Chega, escolhe a pinha, pega-lhe com a boca e corre frenético para a toca onde a deposita, presumo, e repete a operação vezes sem conta!! Enquanto tomava o pequeno almoço, desisti da contagem à 20ª passagem.
Quando arrumava a tralha passou o Davidm, de bicicleta em direcção á cidade. Disse-me um último adeus (creio que será mesmo o último) e lá se foi por entre as árvores e o silêncio do parque ainda adormecido.
Hoje levam com o relato sobre o combustível…o pequeno-almoço foi uma sandes composta por 1 fatia de pão (género panrico mas mais denso, mais escuro, mais pesado e mais substancial – na verdade nunca comi desse panrico em Portugal…) + 1 grossa fatia de fiambre + 1 fatia de pão + 1 fatia de fiambre + 1 fatia de pão + 1 fatia de queijo + 1 fatia de pão + outra fatia de pão (era a última da embalagem…), uma banana e água (não me apeteceu fazer café).
Arranquei para aí às 8h30. Atravessei a cidade silenciosa e fria pela 4ª avenida. Ao passar junto a uma bomba de gasolina, lembrei-me que me ia saber bem um leitinho. Parei e comprei ½ litro de leite e 3 donuts (não são como os daí, apesar de nunca os ter provado). Bebi o leite de um trago e mamei um donut que me lembrou mais as filhós que a minha mãe faz no Natal, mas comidas dois dias depois, já secas e duras…
Prossegui para a Alasca Highway, a minha próxima companheira de aventura e devo ter e”entrado” para aí ao km 1426... Não sei se já repararam, mas aqui, ao contrário daí, as estradas têm nome; as ruas não. Ao passar junto ao aeroporto, tirei uma foto ao C47 da Canadien Pacific que está empoleirado numa pequena elevação. É um avião que esteve ao serviço dos aliados na 2ª Guerra, tendo depois sido convertido e utilizado para fins civis até 1970, com mais de 13 mil horas de voo...Alguns kms depois vem uma caravana em sentido contrário, que abranda. Estão mesmo a ver, não estão!? Eu também!! È o Beat e a Ester que vão entregara caravana às 9h. Tinham pernoitado num parque 3 kms mais à frente e iam a caminho da cidade. Coincidência? Cinco minutos de diferença e não os teria apanhado mais esta vez! Limitámo-nos a acenar e dizer adeus.
Prossegui a bom ritmo e rapidamente cheguei ao cruzamento com a Klondike Hwy. Uma placa de sinalização dizia “scenic road”, com uma foto apostalada a ilustrar o caminho: lago em tons de verde e azul, montanhas verdes e florestas de pinheiros.
Ainda hesitei, pois podia segui-la até carcross e depois tomar outra para Jakes corner, onde retomaria a Alasca. Mas seriam para aí mais 50 kms extra e sem saber como seria o piso e o relevo. Mantive-me no plano inicial.
Pouco depois surge o Yukon river, com uma bela vista do topo da colina que antecede a descida para a ponte. As águas são verde-escuro, talvez carregadas pelas nuvens pesadas e sombrias que nos rodeiam. Algumas canoas vermelhas deslizam pelas águas, desaparecendo rapidamente na curva apertada, levadas pela corrente que parece forte.
Do outro lado da ponte, o rio parece um lago por onde serpenteiam pequenas ilhotas verdejantes, pouco acima do nível da água. Outra canoa paira por ali, deslocando-se pelo Yukon River entre as ilhotas. Parece pescar, pois tem duas pessoas a bordo, agora completamente erguidas na canoa. As montanhas fecham o quadro e as nuvens parecem uma tampa. Estamos fechados sobre nós próprios naquele espaço de paz e tranquilidade…
Há uma leve brisa que me empurra! Até isso corre de feição, pedalando a 2m kms/h em média. Aproximo-me do March Lake e passa por mim uma miúda de bicicleta de estrada equipada a rigor: t-shirt, calções, capacete, luvas e dorsal. Devia ser uma competição mas nunca mais passava ninguém.
Fui parando, tirando fotos, pedalando, tirando fotos e olhando e andando e passa outra miúda, 10 ou 15 minutos depois da anterior. Mais um longo espaço de tempo e passa um trio, desta vez dois homens e uma mulher. Ok, devia ser mesmo uma prova. Esquisita, mas uma competição…
Ao km 50, na ponte sobre o rio M’Clintock, começa a chuver. Gotas esparsas mas grossas. Nem de propósito aparece uma placa a dizer “March lake recreation park 2 kms”. Era mesmo o que precisava: resguardar-me da chuva e almoçar. Havia um quiosque mínimo mas com o que interessava: “long hot-gog”, anunciava. Pois foi mesmo isso e acompanhado por um litrinho de leite, directo do pacote!
Parou de chover, o sol voltou e com ele a vontade de pedalar continuava.
Prossegui ao longo do lago, em ligeiro sobe e desce, mas sempre muito fácil e os competidores iam passando por mim, quase sempre com um comprimento ou piada. Ás tantas passa uma miúda que por cima dos calções tinha uma lingerie atrevidota – deve ter-se vestido à pressa…saco da máquina e, uma mão no volante a outra a manipular a máquina e “pernas para que nos quero”, vou-lhe no encalço d saco uma foto.
Não muitos kms depois estava uma claque a acenar e em grande alvoroço, mas já tinha passado a atleta e continuavam, parecia que para mim. E pouco depois lá estavam: dos 5 da claque, um era o Beat e outra a Ester!! Iam ficar num lodge ali por uns dias e, ao passearem pela zona dão comigo mais uma vez!! Nem dava para crer. Tirámos uma foto e trocámos mails. Agora é que deve ser mesmo a última!! Prometeram mandar fotos dos ursos que não vi…
Próximo destino é Jakes corner – uma bomba de combustível com café. Era aí também que os ciclistas deixavam Alasca Hwy e viravam para Carcross. Afinal trata-se mesmo de uma competição. São 24 horas de bicicleta em torno do lago e ganha quem der mais voltas…
Bem na estação de serviço reforcei as calorias. Um bolo enorme que não sei descrever mas que me soube a “galos de noz” (tinha uma película caramelizada com frutos secos) e mais ½ litro de leite com chocolate, o meu preferido.
Eram 2 da tarde, 90 kms feitos, sol, montanhas, lagos, pinheiros, estrada mais ou menos plana leve brisa nas costas. Só podia continuar!
Depois de Jakson corner a paisagem ficou mais selvagem, mas agressiva, mais grandiosa, mais solitária, mais silenciosa. Senti que ficava para trás uma zona mais humana – ou humanizada – e que regressava a um ambiente mais íntimo, mais pessoal.
Por entre muitas fotos, cheguei ao lago Squanga, com um parque de campismo não assinalado no mapa. Estava com 116 kms percorridos e apesar de ter energia e vontade para mais, decidi espreitar. Era mesmo junto ao lago de águas esverdeadas. Tinha algumas caravanas mas consegui um lugar mesmo junto ao
lago e, vejam bem, até pendurei a cama de rede entre dois pinheiros, onde escrevi estas linhas.
De repente começa a arrefecer, as nuvens a engrossarem e até se via a chuva a cair lá adiante nas montanhas mais a norte. Tive de retirar à pressa e tratar do jantar antes que chovesse.
E só para fechar, foi uma dose de massa carbonara, com dois enchidos fumados e picantes, 2 fatias de pão, uma banana e os dois donuts que sobraram da manhã. O que queriam? Que passasse fome!? Estas perninhas não bebem gasolina mas também não funcionam a energia solar!
8 de Agosto, finalmente a Bíblia
O dia acordou lacrimejante e tive de arrumar a tenda molhada e tomar o pequeno-almoço de pé.
Ao partir, desfazia-me do lixo no contentor, vem o meu vizinho com o isqueiro na mão, estende-o e oferece-mo. Um daqueles compridos, mesmo de cozinha xpto! Olhei para ele incrédulo e, percebendo a minha hesitação em aceitar, disse “I have lots of these”! A estória começou ontem ao jantar…começou a chover e acabámos todos a jantar juntos na cozinha do parque. E o meu isqueiro expirou mesmo ali, quando me preparava para acender o fogão, pelo que lhe pedi fogo. Mas não deixa de me impressionar…até parece que estava à coca para aquele gesto tão simples e tão significativo.
A estrada seguia para nordeste, em direcção às montanhas onde se viam mais nuvens e mais cerradas do que aqui. Logicamente não tardei a entrar chuva dentro. Não era o mais agradável dos cenários, mas deixei de dar muita atenção a estes condicionalismos naturais: aceitam-se, digerem-se e pronto. Além do mais estava certo que ainda ia ver o sol hoje…
Exactamente aos 20 kms cumpridos, surge Jonhsons Crossing, mesmo antes da ponte sobre o Teslin river, com a habitual bomba de combustível e café/mercearia. A chuva já tinha parado, mas estava desconfortável com frio nos pés e mãos. Ia saber-me bem um chocolate quente e talvez alguma coisa para mastigar.
Teslin ficava a cerca de 50 kms. Mas até lá foi pedalar facilmente, praticamente com a estrada a bordejar o extenso lago. À direita, e especialmente na longínqua linha do horizonte, uma cadeia de montanhas delimitava a vista. As nuvens marcavam presença discreta e distante. Em Testlin visitei o Tlingit Heritage Center. Apenas a colecção de fotografias me satisfez...ah e o café com leite, de borla (a entrada foi 5$...).
Parei no supermercado local e reforcei as provisões. À saída da vila parei no “viewpoint” e almocei com vista para o lago, lá em baixo aos meus pés.
Prossegui e fui vendo os kms passarem. Sentia a brisa nas costas e o sol brincando às escondidas com as nuvens. O chato é que nas subidas apetecia-me tirar o corta-vento e nas descidas estava frio e era-me necessário. Lembrei-me diversas vezes do Serra, o amigo que comigo fez a Patagónia. Estava sempre a parar para pôr e tirar o corta-vento…Certo é que depois de Teslin não haveria mais nenhum campismo oficial, pelo que teria de improvisar. Entretanto a estrada entra na British Columbia, mas nem por isso algo muda. Confesso que está-se a tornar muito fácil ultrapassar os 100 kms por dia. O selim parece que já desistiu de me atacar. As pernas estão perfeitamente à altura das subidas. O coração parece estar maior e mais forte – hoje, no fim de uma subida de cerca de 1 km decidi contar as pulsações: 120. Tudo normal, portanto. Até o vento parece ter desistido. Ou melhor, tornar-se aliado! De facto está uma brisa, não muito forte, é certo, mas ainda assim capaz de fazer estragos se frontal. Fiz o teste invertendo a marcha para ir tirar uma foto que me tinha escapado e senti como podia ser duro se desfavorável…Mas enfim, estava mesmo a gozar a estrada, a “velocidade”, as subidas e descidas, a paisagem, o silêncio, a luz. Procurava um local aprazível para acampar, mas nada. Pelo mapa, parecia que deveria estar a cruzar i Swift river, o que regra geral proporciona sempre um local simpático. Mas o raio do rio nunca mais chegava!! De repente começa a chover, as habituais gotas ralas mas grossas! Decido desviar-me da estrada e resguardar-me na floresta. Á falta de melhor, ficaria já por ali. Aliás, estava a começar a sentir uma leve picada no joelho esquerdo, o que não me agradava… Uma breve pausa e parou de chover. Ficar ou continuar mais 3 ou 4 kms. O raio do rio não podia estar longe. Decido prosseguir e em boa hora o fiz. De facto, menos de 3 kms depois surge o rio, antecedido por um desvio para onde não me dirigi de imediato por ver lá estacionada uma auto-caravana, com fogueira acesa. Já agora queria o sítio só para mim! Certo é que as gotas recomeçaram e o rio não proporcionava melhor poiso. Voltei para trás, passei ao lado da caravana, cumprimentei os vizinhos e disse-lhes que ia acampar ali também. Estava a montar a tenda quando a Tenney-Ann, assim se chama a senhora, me veio visitar, dizendo que tinham comida a mais, se eu não era servido. Dei por mim com uma pratada de massa com diversos ingredientes e ainda companhada de brócolos e couve-flor.
Depois da janta, juntei-me com eles à fogueira (tinham três cadeiras) e ficámos a conversar das coisas simples: sobre a minha viagem, os sítios onde estive, para onde vou, quantos kms faço por dia, o que transporto comigo, o que faço. Da parte deles, contam o mesmo: são reformados, de Okanagan, etc.
E é no fim da conversa, quando se levantam para ir passear o cão, que me vem com um presente: “What does de bible really teach”, mais uma daquelas revistas que os Jeovás distribuem de porta em porta!! Estava passada a mensagem. São mais umas gramas que vou ter de transportar até à próxima reciclagem…talvez antes pratique o meu inglês!!
9 de Agosto, apostola de Jesus
Tomava o pequeno-almoço de pé, quando o meu vizinho Dale, de caneca de café em punho, se me dirigiu e perguntou se queria um café. Aceitei sem cerimónia. Estendo-lhe a minha canequita mínima, mais apropriada para uns shots do que para café, ainda por cima deste por cá, que mal tinge a água, mas ele perguntou se não queria uma caneca maior. Anuí logo e acrescentei: com leite, please.
Uma breve pausa e sai de casa com uma canecada de café com leite. Sabe realmente bem pela manhã, especialmente se está frio, como é hoje o caso…
Arranquei primeiro que eles, despedimo-nos mais uma vez e lá fui, calmamente em direcção a Watson lake, onde só chegarei amanhã. Para já procurava Swift river com intenção de reforçar o pequeno-almoço. O dia estava sorridente, sem uma nuvem. As montanhas verdes, totalmente arborizadas. Os lagos iam-se sucedendo, destacando-se o Swan lake pelo tamanho, pelas cores e pelo recato, pois só de quando em vez se deixava espreitar por entre a densa barreira de pinheiros frondosos.
Swift river estava fechada. Tive de continuar, tendo por próximo objectivo Continental Divide, já com 50 kms palmilhados – é certo que mais uma vez com ventinho pelas costas. Em Rancheria tive a primeira surpresa desagradável. Não havia qualquer tipo de mercearia, apenas um restaurante. E não é que ao entrar no dito, a “patroa” – tinha mesmo ar de “patroa” diz-me de má modo: não viu a informação a dizer que o restaurante não está acessível para clientes? Respondi que não, apesar de ter passado a vista pelo dito. Afinal a partir das 12h só servem a malta das obras, que andam a repara a estrada e a ponte nas imediações. Nem uma sopa, ainda perguntei? Só faltou dar-me com o que tinha na mão. Meti o rabo entre as pernas e saí. Aproveitei a mesa e cadeiras cá fora, saquei dos meus aprovisionamentos e fiz-me à vida, pois claro.
Agora era pedalar até Rancheria, 20 kms adiante. E foi numa das longas descidas que vi uma senhora sentada naqueles resguardos/gradeamentos das bermas das estradas, olhando o rio que corria a seus pés. O mais curioso, e que me fez abrandar, foi uma enorme mala junto a ela, na berma da estrada. Parei, cumprimentei-a e começámos a conversar. A pergunta típica que me fez foi “de onde és”? Mas antes de eu responder ela disse: deixa ver, Polónia. E eu, “quase acertavas. Não, Portugal. E tu, és canadiana?”. “Sou apostola de Jesus, responde-me. Ando pelo mundo, especialmente pela América Latina e divulgar a palavra de Jesus”. Não estiquei a conversa por esse terreno pois não me interessava. Mas ainda falámos um bom bocado e parece conhecer bem a América Latina (Brasil, Chile, Bolívia e Argentina, especialmente).
Lá cheguei a Rancheria e devorei uma sopa de legumes, uma tosta, um copo de leite e uma caneca de café com leite…fui mais moderado.
O objectivo do dia era ficar a cerca de 100 kms de Watson Lake para amanhã poder chegar confortavelmente. Assim, dentro de 20 ou 30 kms teria de encontrar um local aprazível para acampar. Ainda antes das 4 da tardem descobri-o. Havia uma serventia que entrava floresta a dentro em direcção ao rio que não devia andar longe. Meti-me por aí fora e 800 metros depois chego a uma clareira tranquila, junto ao rio. Era o local perfeito. Ainda iria ter uma longa tarde de sol, que aproveitei para lavar a roupa no rio, tomar um bom banho (há 2 dias que não tinha oportunidade), fazer uma boa limpeza à bicicleta, estudar os mapas, pôr a escrita em dia, preparar uma bela jantarada, com sopa e 2º prato!! Ah, e só hoje é que terminou a primeira garrafa de gás! Já posso fazer estatísticas e modelos de previsão.
E agora que são 11 horas e a luz já escasseia (em Inuvik, há menos de 3 semanas, só entre as 2 e as 5 da manhã é que não havia luz…).
10 de Agosto, Bikers on the road
Hoje vou ser parcimonioso e poupar-vos também…
Como estava com o bichinho de chegar cedo a Watson Lake, madruguei. Pequeno-almoço mais parco que o habitual, pois as reservas estão a chegar ao fim, pé-no-pedal e pernas para que vos quero! Pedalei ao longo do Rancheria river, que foi ou mudando de nome ou recebendo afluentes: low Rancheria, small Rancheria. Curiosamente o céu estava completamente nublado sobre a minha cabeça, mas absolutamente limpo, daquele azul translúcido, na linha do horizonte. Era para lá que eu ia…
Ás 7h30 a estrada estava praticamente deserta, pelo que era eu e o silêncio, apenas. Ah, e o vento, o tão amigo e suspeito vento, discreto nas minhas costas. Esta amizade começa a preocupar-me…pois amanhã inflectirei completamente para sul, por vezes mesmo para sudoeste, e nestes dias tem estado sempre a soprar de oeste…
Tinha percorrido menos de 20 kms quando surge à ilharga um casal de ciclistas em sentido contrário. Antecipam-se, cruzam a estrada e cumprimentamo-nos como se fossemos velhos amigos. É o Scot e a Michelle, vem de Vancouver, há dezanove dias a pedalar e têm mais nove dias de férias. Ainda não sabem até onde irão…andar de bicicleta é assim: sabemos de onde vimos, nunca sabemos onde vamos pernoitar nem qual será o ponto final.. Deram-me o mail e site deles, falaram-me de um site (hotshower.com, creio – ainda não testei) dedicado exclusivamente a bikers, disseram-me já ter feito Jasper e Banff e encorajaram-me a ir, que o relevo e a dificuldade não é maior que esta… por meu lado disse-lhes de onde vinha, para onde tencionava ir e falei-lhes do percurso que iam enfrentar. Infelizmente para eles, o vento era frontal e forte…
Poucos kms adiante, antes do Big Creek CG, outro biker em sentido contrário! Desta vez fui eu a antecipar-me e atravessar a estrada. Era japonês – chamemos-lhe sushi, pois o nome verdadeiro não sou capaz de o imaginar…Afinal parece que ainda há quem fale inglês pior do que eu…era o caso. Lá me explicou algo que me interessa sobremaneira: a estrada 37 (cassiar hwy) tem estado com trânsito cortado ou muito condicionado por causa de incêndios…há cinco dias que me alertaram para isso em Whitehorse, na oficina das bicicletas. Pensei que quando lá chegasse já estivesse mais do que ultrapassada a situação mas parece que ainda não. No caso dele, apanhou uma boleia de um camião durante 50 kms. Veremos amanhã…
O resto do caminho não teve estória nem motivos especiais de “reportagem”. Umas subidas tramadas, descidas deliciosas, de vários kms, paisagem “normal”: lagos, montes, pinheiros, céu, nuvens aqui, sol acolá, frio nas descidas, calor nas subidas, silêncio sempre.
Ao chegar ao entroncamento com a A37, 22 kms antes de Watson Lake, pensei em mudar de planos e porque não ir já para sul, evitando os 44 kms extra de ir e voltar à vila. Para isso era necessário apenas que houvesse por aqui internet e uma boa mercearia. Tinha de ter pelo menos gás, pois a minha garrafa suplementar entrou ontem em funcionamento. É verdade que deve dar para 15 dias, pelo menos, mas não quero arriscar sem necessidade. Bastará quando tiver de ser…Como apenas existiam bebidas e barretes ok, bonés e porcarias sem qualquer interesse) no shopp da bomba, tive mesmo de regressar ao plano A.
À entrada de Watson Lake surge o incontornável “sign post forest”, uma área em crescendo onde a malta de todo o mundo vai deixando a sua “marca”… Parece que é a principal atracção da vila, o que não é difícil…pela informação do guia que tenho, vivem aqui 1560…Ainda assim, só gostava que vissem a biblioteca, precisamente onde estou a rabiscar estas letras à pressa!! Qualquer coisa de fabuloso…especialmente para um aglomerado com 1500 moradores!
Bem, antes ainda da biblioteca fui às compras e adivinhem quem estacionou a bicicleta ao meu lado!? Não, não adivinharam! Foi o John, o “Américas” que encontrei em Inuvik e que me olhou de soslaio quando disse que ia fazer a Dempster… Bem, talvez seja preconceito meu. Se calhar é bom tipo…
Fui às compras e garanto que levei um cesto maior do que os que uso no pingo-doce (aí levo sempre o mais pequeno e chega sempre para as compras!). Ia metendo coisas para o cesto e tomando-lhe o peso, olhando para o volume e “cortando” na fome previsível. Acabei com o cesto meio… Arrumava com dificuldade (por falta de espaço) as compras na burra quando sai o John. Nem queria acreditar! O cesto dele estava de cocuruto!! Acreditem que não estou a estereotipar nem exagerar! Bem, não sei onde arruma tudo…certo é que não tem mais arrumação que eu…
Despedimo-nos (vamos para a mesma estrada mas ele não sabe se parte hoje e parece-se comigo: no seu registo).
E agora vou tratar da vidinha, sim, porque até Prince George – a próxima “cidade” a sério, são cerca de 1300 kms. E até lá, não sei se conseguirei net… só se for em Smithers, mesmo assim daqui a cerca de 900 kms…See you there.
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